Cristovam Buarque

Almoço incompleto

Necessidade de um acordo pelo futuro do país

Por Da Redação
Publicado em 04 de junho de 2021 | 03:00
 
 

Muitos criticaram Fernando Henrique por se reunir com Lula e anunciar que votaria nele no segundo turno. O almoço, na casa do ex- ministro Nelson Jobim, demonstrou política com civilidade. Não se vê isso entre seguidores do atual presidente, tampouco entre eleitores de Lula. Mas não basta civilidade.

Em 1998, acompanhei Lula ao Palácio da Alvorada em visita a Fernando Henrique, reeleito dias antes. O presidente abriu pessoalmente a porta do apartamento residencial dentro do Palácio e disse: “Lula, venha conhecer o lugar onde você vai morar um dia”. Foi uma espécie de gesto histórico e carinho político. A conversa, da qual fui a única testemunha, durou poucas horas e não se transformou em acordo que lhe desse continuidade histórica. Os dois líderes manifestaram respeito e boas intenções, mas não formaram um acordo pelo Brasil. Apertaram as mãos, mas não se deram as mãos; se abraçaram, mas não abraçaram o país.

O último almoço certamente também foi respeitoso e bem-intencionado, mas poderá ficar com a mesma irrelevância histórica de 98 se não for transformado em acordo pelo futuro do Brasil. Para que o encontro entre Lula e FHC tenha repercussão histórica, é necessário quebrar o estigma do segundo turno, convidar Lula para sentar-se à mesa com todos os partidos e escolher um candidato único, desde o primeiro turno das eleições de 2022.

O nome pode ser o próprio Lula, que tem história, provou competência, tem voto e demonstrou que sabe aprender com erros e reciclar posições. Mas Lula e o PT devem aceitar a análise de nomes propostos há meses ou até novos. O almoço precisa ser ampliado, em busca do nome capaz de obter votos e aceitar compromissos para dar coesão e rumo ao país.

Não deve ser difícil assumir compromissos com pontos fundamentais, como recuperar o respeito às instituições democráticas; romper com o populismo; representar o país com dignidade; aceitar a verdade e a ciência; ter responsabilidade no uso de recursos fiscais; comprometer-se com a ética e ser intolerante com toda forma de corrupção, tanto no comportamento quanto nas prioridades; preocupar-se com a geração do emprego e salário com moeda estável; indicar estratégias para superarmos o injustificável quadro de pobreza e concentração de renda; retomar o prestígio de nossa diplomacia; assumir o compromisso de um único mandato de transição para novo momento histórico nacional.

A falta de um acordo democrático e progressista entre 1992 e 2018 foi uma das causas da eleição do atual presidente, com todas suas consequências nefastas. Não aprender com o erro do passado nem construir uma unidade pode levar ao desastre da reeleição do desgoverno.