Cristovam Buarque

Cristovam Buarque é professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

As fábricas a pleno vapor

Publicado em: Sex, 01/03/19 - 03h00

A partir de 2004, os governos do PT ampliaram vagas em universidades públicas, com implantação de cotas e financiamentos para as universidades privadas. Foi uma forma de compensar as fragilidades da educação de base na escola pública, que dificultava o acesso ao ensino superior. Em vez de fazer transformações necessárias para oferecer escola de qualidade para todos, os governos optaram por facilitar o ingresso na universidade – uma espécie de “neoliberalismo social”, atendendo individualmente as pessoas no lugar de reformas estruturais que atendessem a todos.

O número de alunos no ensino superior subiu de 3.887.022 em 2003 para 8.048.701 em 2016. O sucesso foi maior graças às cotas, que permitiram ampliar o número de negros em universidades quase totalmente brancas. O “neoliberalismo social” no ensino superior não resolveu os problemas da má qualidade e da imensa desigualdade de como a educação de base é oferecida. Promover pessoas no lugar de fazer a revolução não produziu os resultados esperados.

A fábrica da desigualdade educacional continuou com a mesma fragilidade do sistema municipal da escola pública. O número de adultos analfabetos é praticamente o mesmo há 20 anos. São frutos da fábrica de analfabetismo, que produz anualmente jovens de 15 anos sem saber ler nem a bandeira brasileira. A perversa fábrica de deseducação impede os resultados da política “neoliberal social”.

O mesmo ocorre agora, com parte da política anticrime apresentada pelo novo governo. Utiliza o método “neoliberal social” dos governos do PT: atacar os problemas pelos indivíduos, no lugar de fechar a fábrica dos males. Antes, os governos colocaram alguns jovens na universidade, agora vão colocar alguns jovens criminosos na cadeia.

A política anticrime de Bolsonaro, mesmo que venha a ter o êxito de aumentar as cadeias, fracassará por não parar a fábrica de crimes de uma sociedade perversa em suas características, da mesma maneira que o êxito petista ao aumentar o número de alunos no ensino superior não impediu que o Brasil continuasse fabricando deseducados. As prioridades dos dois governos são diferentes, os métodos, o mesmo: o “neoliberalismo social”.

O Brasil não mudará enquanto não entendermos que o uso de paliativos não reduz o problema; enquanto não virmos que as mazelas, universidades ou cadeias, têm origem no mesmo lugar: a educação de base. A chance para o país ter baixa criminalidade está na garantia de escola de qualidade com oportunidades para todos.

Há 40 anos, Darcy Ribeiro dizia que, ou fazemos mais boas escolas, ou vamos continuar fazendo mais prisões ruins. De lá para cá, tivemos governos de direita, de esquerda, outra vez de direita, e o remédio continua o mesmo: mais cadeias para prender adultos violentos que não colocamos na escola quando crianças e mais facilidades para ingresso em universidades sem qualidade, no lugar de mais rigor para formar todos os nossos alunos no ensino médio.

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