Cristovam Buarque

Cristovam Buarque é professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

Cristovam Buarque

Foto da história

Publicado em: Sex, 02/07/21 - 03h00

O livro “Correspondência Intelectual: 1949-2004” mostra a grandiosidade de Celso Furtado ao reunir 15 mil cartas, editadas pela jornalista Rosa Freire D’Aguiar, viúva dele.

Nelas percebe-se a força intelectual, ideológica, política e moral de uma geração da qual ele foi um expoente. Ao ler as cartas, nos sentimos em uma mesa rodeada por dezenas de personagens conversando entre si sobre temas variados.

Os textos deslumbram e instruem ao mostrarem as ideias que desenvolviam na busca de entender o Brasil, enfrentar a tragédia política da ditadura e encontrar caminhos para o desenvolvimento.

Fascina ler as cartas entre Celso Furtado e Roberto Campos, dois notáveis de polos diferentes da política, trocando simpatia e respeito mútuos, descrevendo o nascimento do BNDES.

Tocante ler Álvaro Vieira Pinto, na véspera do inverno iugoslavo, hospedado em um hotel graças à ajuda de estrangeiros, incapaz de dar aula em um idioma que não entendia; tanto quanto ver a carta de Frei Tito que parece uma boia jogada ao mar, em busca de salvação para evitar a morte que ele logo buscaria.

São estimulantes as cartas de personagens impedidos de trabalhar no Brasil, como Darcy Ribeiro e Fernando Henrique Cardoso; instrutivos os debates na correspondência com Plínio de Arruda Sampaio e com Hélio Jaguaribe, em que nos surpreende ler Celso Furtado, em fevereiro de 1971, dizendo ao amigo: “boa parte do equipamento que me habituara a utilizar para entender o mundo em torno a mim me parece hoje obsoleto”.

Ao lado da correspondência com brasileiros, o livro mostra o cosmopolitismo de Celso Furtado, respeitado por filósofos e políticos como Bertrand Russell, Fidel Castro, Robert Kennedy, Henry Kissinger.

As cartas ensinam e emocionam graças à edição de Rosa Freire D’Aguiar, cuja introdução é em si um monumento literário-biográfico. Sem ela, as cartas ficariam guardadas e não teriam o estilo e a estrutura de conversa ampliada entre pensadores amigos.

O “Correspondência Intelectual: 1949-2004” é mais que um livro, é uma imensa antena que Celso Furtado usou para captar pedaços de vidas entrelaçadas entre elas e com a história do país; e que o livro agora divulga, dando vida àquele instante da história e das biografias de brasileiros espalhados pelo mundo, pensando e agindo pela construção de um Brasil eficiente e justo.

Ao final da introdução, Rosa Freire D’Aguiar escreve: “A ambição deste volume é, assim, levar ao leitor uma correspondência inédita que, além de revelar destinos individuais, acompanha as peregrinações de um punhado de economistas, intelectuais, políticos, ativistas, cientistas sociais que foram atores e observadores da história na segunda metade do século XX”. Ela conseguiu realizar plenamente a ambição que tinha.

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