Cristovam Buarque

Cristovam Buarque é professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

Cristovam Buarque

Inimigos aliados

Publicado em: Sex, 25/09/20 - 03h00

Está ficando visível uma aliança de interesses entre Bolsonaro e seus adversários eleitorais. 

A Rede Globo é chamada de “globolixo” pelos seguidores de Bolsonaro e pelos seguidores do PT. 

Eles têm a mesma posição, usam as mesmas palavras e passam a mesma intenção de enfrentar e enfraquecer a Rede Globo. 

A Lava Jato é outro inimigo comum que une seguidores na esquerda e na direita. É como se lutassem com o mesmo propósito de desfazer a Lava Jato e, em consequência, enfraquecer a luta contra a corrupção. 

Da mesma forma, os dois lados que criticavam o Bolsa Escola, quando ela era um instrumento educacional gerido pelo Ministério da Educação (MEC), agora se unem em defesa de ampla transferência de renda sem condicionamentos. 

De crítico radical, o presidente Lula passou a defender e transformá-la no eixo de seu governo, descaracterizando o lado educacional, transformada em assistencial, mudando o nome e tirando sua gestão do MEC. Bolsonaro continuou como duro crítico do Bolsa Família, e agora passa a considerá-la como eixo de seu governo e projeto eleitoral, mudando o seu nome outra vez. A ideia de um programa assistencial por transferência de renda estará tanto no programa do PT quanto de Bolsonaro, levando a disputa para qual vai oferecer maior valor, menos condicionalidades e maior número de beneficiários. 

Para viabilizar esse programa, a aliança começa a se fazer também contra o teto de gastos. Bolsonaro ainda não explicita, mas já age no sentido de desrespeitar a responsabilidade fiscal, seguindo o discurso que caracteriza as esquerdas. O PT foi contra a responsabilidade fiscal do Plano Real, mas é elogiável o comportamento de Lula, que fez dois governos com responsabilidade fiscal. No governo Temer, o PT passou a se opor ao reequilíbrio das contas. Bolsonaro nunca foi defensor de responsabilidade fiscal, sempre defendendo gastos além da receita. Mudou no discurso eleitoral, mas dá sinais de que mudará Guedes se ele não mudar. Ambos os adversários se aliam na defesa de mais gastos sociais, sem tirar recursos dos ricos, dos privilegiados, das mordomias, das isenções fiscais, do “andar de cima”. 

No primeiro momento, a ala responsável, mas insensível socialmente, ainda no governo, faz a esdrúxula proposta de tirar dos pobres o que é necessário para gastar com os ainda mais pobres. Isso tira voto e logo será substituído pela derrubada do teto e pelo aumento de gastos, financiados por déficits e emissões de moeda. A velha diferença entre sensibilidade social e irresponsabilidade fiscal será substituída pela aliança populista. 

Há também uma aliança no gosto pelas narrativas falsas e gabinetes de ódio, embora com mensagens opostas e vítimas diferentes. E uma aliança sutil, como a dos torcedores fanáticos por um time que torce por outro para eliminar adversários ameaçadores: Bolsonaro e PT torcem um pelo outro, para que ambos cheguem ao segundo turno. Até lá, são inimigos aliados. 

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