Cristovam Buarque

Lógica Hamas-Netanyahu

Violência do conflito no Oriente Médio

Por Cristovam Buarque
Publicado em 08 de março de 2024 | 07:00
 
 
Leia artigo de Cristovam Buarque sobre radicalismos em torno das ações do Hamas e de Netanyahu na guerra no Oriente Médio Foto: Ilustração O TEMPO

Minha geração foi formada pelas ideias humanistas dos grandes pensadores judeus e tomou conhecimento do mundo vendo as fotos de campos de concentração e assistindo à luta dos sobreviventes para criar um novo país que servisse de porto seguro para os judeus do mundo, perseguidos ao longo de séculos. Acompanhamos o heroísmo de um grupo de líderes, quase todos socialistas, lutando para transformar um minúsculo território em uma nação democrática, progressista, igualitária. 

Apesar do incômodo moral diante da expulsão de palestinos nativos, e do incômodo político diante da arrogante superioridade dos israelenses sobre os palestinos, a implantação de Israel parecia uma vitória da humanidade, bastando descobrir a fórmula para a convivência entre israelenses e palestinos em dois Estados diferentes. 

O horror ao terrorismo ficava restrito a grupos isolados, como o Lehi judeu e o Hamas palestino. Apesar da repulsa aos crimes cometidos por esses grupos, na violenta estratégia que escolheram para defender seus respectivos países, isso não contaminava o respeito pelos povos judeu e palestino nem eliminava a possibilidade de dois Estados com dois povos convivendo em paz. A “lógica Hamas-Netanyahu” está mostrando a impossibilidade dessa convivência. 

O ato terrorista de 7 de outubro, assassinando e sequestrando israelenses, e a guerra consequente com o massacre e a inanição do povo palestino, a destruição de Gaza e a perseguição aos palestinos na Cisjordânia explicam a lógica de Netanyahu de que a segurança de Israel depende da expulsão do povo palestino, e também a lógica do Hamas de que a criação de um Estado palestino passaria pela destruição de Israel. 

Para alguns, a “lógica Hamas-Netanyahu” justifica os crimes das Forças Armadas sionistas, outros fecham os olhos aos crimes de terroristas palestinos, mas alguns continuam defensores do humanismo que aprenderam com judeus antigos: nenhum país justifica sua existência se depende permanentemente de armas, apartheid, massacre, inanição forçada de inimigos, nem a criação de um país deve depender de constantes atos terroristas. 

As cenas diárias do que acontece em Gaza são publicidade contra o sionismo e se transformam em publicidade antissemita para os desavisados ou mal-intencionados, fazendo muitos confundirem um governo fundamentalista com o conjunto de Israel e com o povo judeu.  

O humanismo não pode deixar que a oposição à barbárie de um governo se transforme na indecência do antissemitismo. Deve recusar a “lógica Hamas-Netanyahu”, separar o sionismo de Netanyahu do pensamento judaico e o terrorismo do Hamas da postura do povo palestino, e acreditar que não vai demorar para a palavra “judeu” voltar a ser identificada com os grandes pensadores humanistas, e não mais com os atuais políticos de Israel.