Cristovam Buarque

Que democracia é esta?

Janela partidária, Fundo Eleitoral e corrupção

Por Cristovam Buarque
Publicado em 08 de abril de 2022 | 03:00
 
 

Quando a história da democracia brasileira for escrita, 1º de abril será a data de suas duas mortes. Em 1964, com o golpe militar; e em 2022, com o encerramento da janela para mudança partidária aos que desejam ser candidatos em outubro. A primeira morte suspendeu o funcionamento democrático por 21 anos; a segunda matou os partidos como instrumento de condução das causas públicas.

Até pouco tempo atrás, os presidentes de partido portavam bandeiras com utopias e reformas, agora escolhem entre carregar o cofre com dinheiro do Fundo Eleitoral ou o caixão para enterrar sua sigla. Não se tem notícias de candidato mudando de partido em busca de bandeiras mais sintonizadas com seus princípios nem de presidente atraindo filiados com oferta de melhores ideias para o Brasil. Em nome de promover a democracia, o Fundo Eleitoral corrompeu a democracia.

Corrupção no comportamento dos candidatos que mudam de partido em troca de formidáveis quantias. No lugar de atração pelo brilho das propostas “se orientam pelo brilho do ouro”, nas palavras do Carlos Lupi. Corrupção mental dos filiados, ao tornar obsoleto o sentimento de militância política. Corrupção dos próprios dirigentes, que se veem obrigados a optar por comprar novos filiados ou por ver a sigla morrer por não romper a cláusula de barreira com um número mínimo de deputados federais.

Que democracia é esta que promove alguns partidos ao oferecer dinheiro público aos que tiveram capacidade de eleger mais deputados na eleição anterior, criando o círculo vicioso dos grandes de hoje crescerem mais no futuro pela simples razão de serem maiores? Dinheiro público retirado de prioridades sociais imediatas e de estratégias para o futuro, usado para financiar partidos e candidatos sem bandeiras para o país.

Que democracia é esta, com eleições financiadas para fazer perdurar partidos e políticos pescados com a isca do dinheiro público? Grave é que essas constatações provocam propostas de combater sua corrupção, matando a democracia. Devido ao absurdo desse círculo vicioso corrupto criado na democracia, cresce a proposta de matá-la para matar sua corrupção. Essa solução seria ainda pior, porque a corrupção não poderia ser criticada nem denunciada.

Por isso, para muitos, criticar o Fundo Eleitoral e a janela partidária, criticar erros da democracia seria como criticar a própria democracia, incentivar discursos autoritários. Mas que democracia seria esta em que suas falhas não devem ser denunciadas por medo de ameaçá-la?

A omissão não é a forma correta de combater defeitos da democracia. Para tentar construir uma democracia lícita e lúcida, é preciso denunciar a democracia corrompida, superando seus erros e estruturando a democracia decente, com partidos de bandeiras, não de cofre.