Cristovam Buarque

Réquiem ao Homo sapiens

Voracidade de consumo, ganância e individualismo

Por Da Redação
Publicado em 27 de agosto de 2021 | 03:00
 
 

O Homo sapiens é a mais surpreendente criação da natureza: capaz de inventar sapato e, 5.500 anos depois, deixar um bilhão de seus semelhantes descalços. Nesse período, deixou de jogar pedras com a mão e passou a jogar bombas atômicas, com a mesma ética belicista do passado. Passou do cultivo manual para tratores robóticos e sementes manipuladas, mas, em vez de distribuir para quem tem fome, joga fora a comida que sobra. A natureza criou um animal que evoluiu na lógica para manipular a natureza, mas incapaz de regular o uso de sua força de forma sustentável e decente.

O escritor Arthur Koestler parece ter razão com a hipótese de que o Homo sapiens foi resultado de um erro de mutação, desenvolvendo um cérebro lógico, com moral que não evolui: a lógica da bomba atômica, a ética da política tribal. O resultado é que a racionalidade técnica provocou o aquecimento global e deixou a ética e a política despreparadas para evitar a catástrofe. A mutação deveria ter desenvolvido a responsabilidade moral.

O Homo sapiens condena-se à extinção na busca de aumentar o tempo de sua vida pessoal com o máximo de riqueza e consumo. A maior maravilha criada pela natureza é uma espécie que marcha para o suicídio, ao usar o poder do cérebro lógico a serviço do individualismo com voracidade de consumir e ganância por lucro.

A suspeita de que o Homo sapiens é suicida parece confirmada pelo relatório das Nações Unidas que detalha as mudanças climáticas, com desarticulação da agricultura, elevação no nível do mar, extinção de animais. Apesar de a humanidade ser alertada dos riscos há mais de 60 anos, as políticas nacional e internacional não conseguiram barrar catástrofes ecológicas e desigualdade social.

As mudanças climáticas mostram que voracidade de consumo, ganância de lucro e a política individualista conspiram contra o futuro da humanidade. O Homo sapiens parece caminhar para o próprio fim. Salvo se usar biotecnologia e inteligência artificial para desenvolver um “neo-homo-sapiens”, forte, inteligente e longevo, deixando para trás bilhões de “neo-neandertais”, debilitados física e mentalmente, passíveis de extinção física.

Se optar pela catástrofe ecológica da extinção ou pela catástrofe moral da ruptura da espécie, o atual Homo sapiens e sua humanidade deixarão de existir. Koestler terá tido razão: por um erro de fabricação, o Homo sapiens é a única espécie programada para o suicídio.

Felizmente, ainda há esperança de que a inteligência possa despertar sua própria irresponsabilidade moral, a falta de valores éticos comprometidos com a sobrevivência da espécie. Mas a história das últimas décadas parece dar razão a Koestler e justificar um réquiem ao Homo sapiens.