Daniel Barbosa

Bardo do bar: da Tetê

Publicado em: Sex, 28/11/14 - 03h00

Não sabia que o bar da Tetê ficava aberto até mais tarde. Passava pouco das 21h, eu estava a caminho da estação do metrô quando uma chuva torrencial desabou repentinamente, e a pequena birosca me serviu de abrigo. Apenas Tetê, sentada em seu banquinho atrás do balcão, fazendo a contabilidade do dia, estava no local. Bastava atravessar a rua correndo, a entrada da estação ficava logo do outro lado, eu me molharia pouco, mas pedi uma cerveja e fui ficando por lá mesmo. Troquei umas poucas palavras com Tetê, que, depois de fechar o caixa, começou a folhear uma revista velha, sem dar sinais de que estava querendo encerrar o expediente.

Seguimos em silêncio, ela entretida com sua leitura, e eu apreciando a tempestade do lado de fora. A rua estava, como era de se esperar, completamente deserta. Também não havia carros passando e tampouco ônibus no ponto em frente à entrada da estação. Era como se a quietude em que o bar da Tetê vive mergulhado tivesse vazado para fora do recinto e tomado conta de tudo em volta. O frenesi de transeuntes e automóveis que estou habituado a presenciar quando normalmente passo por lá, por volta das 18h, deu lugar, naquele momento, a uma escuridão vazia, pontuada apenas pelas luzes dos postes, embalada pelo barulho da chuva. Era como se estivéssemos, Tetê e eu, sozinhos em uma cápsula no espaço sideral, com a diferença de que no espaço não chove.
Um intenso foguetório que se podia ouvir bem ao longe anunciava que a grande final do torneio nacional de futebol, disputada pelos dois times da capital, devia estar começando. Conferi o relógio. Eram 22h. O alarido distante durou uns poucos minutos e novamente a única coisa que se podia ouvir era o ruído da água que caía do céu, ainda em grande volume. Pedi outra cerveja, que comecei a beber pensando na desolação daquele bar, daquela rua, daquele bairro, de tudo em volta.

“Meu pai torcia para o Matalurzina”, disse subitamente a Tetê, sem que eu tivesse perguntado nada. “Mas eu nunca me interessei muito por futebol”, completou, prestando um esclarecimento dispensável, já que a pequena televisão desligada era o bastante para denunciar o desinteresse de Tetê. Eu até cheguei a pensar em pedir para ligar, a fim de acompanhar a partida, mas optei pela calmaria introspectiva daquela noite chuvosa.

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