Daniel Barbosa

Breviário de introspecções musicais XVII

Publicado em: Sex, 26/08/16 - 03h00

Eram três garotos na faixa dos 12 ou 13 anos que gostavam de rock e resolveram montar uma banda. O primeiro passo seria, naturalmente, comprar os instrumentos. Como garotos na faixa dos 12 ou 13 anos normalmente não têm renda própria para simplesmente ir na loja e comprar um instrumento, foram pedir para seus respectivos progenitores de presente uma guitarra, um baixo e uma bateria, a formação que eles consideravam elementar para uma banda de rock. Nascidos em famílias humildes, os três amigos ouviram de seus pais que não tinham dinheiro para gastar com aquilo, o que era bastante procedente, porque, afinal, instrumento musical sempre foi uma coisa cara, talvez com exceção da prosaica flauta doce, mas flauta doce não é uma coisa rock and roll.

O revés não desanimou os garotos, que, tenazes em seu desejo, resolveram construir seus próprios instrumentos. O problema é que nenhum deles tinha dotes de luthier. Ainda assim, foram à serraria mais próxima de onde moravam, já que eram vizinhos de bairro, e voltaram para casa levando sobras de madeira de vários tipos e formatos. Uma ripa de estrado de cama foi pregada a uma placa dupla de compensado, que os três garotos sequer tiveram o cuidado de cortar na forma curvilínea que instrumentos de cordas costumam ter, e isso virou o braço e o corpo da guitarra. Seis pregos na extremidade da ripa e outros seis no meio da placa de compensado quadrada bastaram para que fossem toscamente amarradas as seis cordas, que, estas sim, tiveram que ser compradas, para isso a mesada até que dava.

A construção do baixo seguiu o mesmo procedimento. Obviamente que estes instrumentos não emitiam qualquer som, mas se prestavam à mímica, o que já era um entretenimento razoável para aqueles três garotos. Nos arremedos de ensaio que faziam só se ouvia o baticum caótico da bateria, que, dada a dificuldade de se construir uma, mesmo cenográfica, foi montada com baldes, latões e tampas de panela.
A persistência com que aqueles três garotos mantinham os encontros destinados aos bizarros ensaios acabou, afinal, por comover seus pais. Com o tempo necessário para se juntar umas economias, cada um deles foi, aos poucos, sendo presenteado com o correspondente instrumento de verdade. Foi um júbilo compartilhado no dia em que o garoto que tocava guitarra ganhou, de fato, uma guitarra, uma Gianini Sonic, a mais reles do mercado, mas, enfim, uma guitarra. Algum tempo depois, o garoto que tocava baixo também ganhou um baixo. E o garoto da bateria, por se tratar de um instrumento mais caro, foi montando a sua, de verdade, em doses homeopática: primeiro a caixa, depois um prato, depois um bumbo, e assim por diante. Os amplificadores também acabaram por ser comprados um tempo depois.
Passados dois ou três anos do início daquela brincadeira, os garotos estavam finalmente reunidos com instrumentos de verdade em punho, prontos para começar um primeiro ensaio de fato, ainda que nenhum deles soubesse tocar nada. “Com o tempo a gente aprende”, pensaram. Faltava – isso sim uma coisa urgente – um nome para a banda, mas essa é outra história, que fica para uma próxima ocasião.

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