Daniel Barbosa

Breviário de introspecções musicais XVIII

Publicado em: Sex, 27/01/17 - 02h00

Em seu “Diário de um Fescenino”, Rubem Fonseca dedica o final de um dos capítulos a listar escritores que morreram de forma bizarra, trágica ou esdrúxula. Não foram poucos. E não se trata de uma, por assim dizer, prerrogativa da seara literária. Nas artes em geral, a história sempre registrou fins dramáticos ou simplesmente estapafúrdios, e na música não é diferente. Rememorando as priscas eras da MPB, o caso mais conhecido talvez seja o de Assis Valente, autor de temas célebres nas vozes de Carmem Miranda, Orlando Silva e Carlos Galhardo, entre outros, e que tentou suicídio por três vezes até lograr êxito: uma primeira vez, cortando os pulsos, por não ter como saldar uma dívida; uma segunda, se jogando do Corcovado; e uma terceira – e definitiva –, tomando formicida.

Esse mesmo expediente foi empregado com sucesso por Moleque Diabo, pseudônimo de Aristides Júlio de Oliveira, que teve a polca “Nair” gravada pelos Oito Batutas em 1923, e o tema “Não Gostei dos Seus Modos”, também uma polca, registrada pelo conjunto Os Carioquinhas em 1977. Foi em fevereiro de 1938, às vésperas do Carnaval daquele ano, que Moleque Diabo resolveu por fim a tudo tomando formicida. A festa de Momo, a propósito, sempre foi um período fértil em mortes de compositores e intérpretes da música brasileira. Tido como um dos maiores flautista de todos os tempos e parceiro mais conhecido de Pixinguinha, Benedito Lacerda começou a carreira na banda da Polícia Militar, formou o grupo Gente do Morro em 1930, tornou-se autor célebre de sambas, marchas e valsas, reinou absoluto como músico acompanhante de grandes nomes da música brasileira durante 20 anos e, sem largar o cigarro, morreu de câncer num domingo de Carnaval, em 1958.

Pioneira das marchinhas, com “Ó Abre Alas”, Chiquinha Gonzaga compôs seu primeiro sucesso em 1877, firmou-se como autora, apesar do preconceito que grassava à época, fez muito sucesso na Europa, principalmente em Portugal, foi uma das fundadoras da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, compôs trilhas para 77 peças e morreu em fevereiro de 1935, aos 87 anos, às vésperas da folia momesca daquele ano.

Chama atenção, também, no rol dos defuntos da música brasileira, a pouca idade com que alguns nomes se foram, em boa parte dos casos vítimas do que, à época, era o autêntico mal dos boêmios: a tuberculose. Foi ela que levou Noel Rosa, em 1937, aos 26 anos. A partir de meados daquela década ele já travava uma luta contra a doença, mas, entre uma e outra viagem para cidades geograficamente mais altas, para tratar o seu mal, sempre voltava ao samba, à bebida e ao cigarro nas noites cariocas. Bem menos conhecido que Noel, o compositor e pianista Honorino Lopes foi igualmente vítima da tuberculose, quando tinha apenas 25 anos, em 1909.

Também compositor, pianista e boêmio inveterado, Zequinha de Abreu, criador, em sua cidade natal, Santa Rita do Passa Quatro, no interior de São Paulo, da Lira Santa Ritense e da Orquestra do Cinema Smart, e autor de “Tico-Tico no Fubá”, driblou a tuberculose, mas não escapou de um ataque cardíaco fulminante durante uma noitada no hotel Piratininga, em São Paulo, em janeiro de 1935.

Texto publicado originalmente em 9.9.2016

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