Durval Angelo

Durval Ângelo escreve em O TEMPO

Combate à corrupção ou “direito de exceção”?

Publicado em: Qui, 25/05/17 - 03h00

Tenho-me arriscado a dizer que vivemos hoje no Brasil um “direito de exceção”: uma versão judiciária do “Estado de exceção”. Se este significa a suspensão dos direitos fundamentais por um ato de governo, para supostamente assegurar a ordem em momentos de anormalidade, o outro implica não somente revestir de legalidade a subversão da ordem jurídica, mas assumir o próprio Judiciário o papel de “soberano”.

Um dos teóricos do nazismo, Carl Schmitt, justifica o “Estado de exceção” pela necessidade de o Estado ter um soberano que detenha o poder absoluto e o “monopólio do direito”. Já o filósofo italiano Giorgio Agamben alerta que, cada vez mais, o “Estado de exceção” perde o caráter de excepcionalidade para configurar um paradigma de governo, no qual o Estado se utiliza de dispositivos legais para suprimir os limites de sua atuação, a própria legalidade e os direitos do cidadão. Foi assim na Alemanha nazifascista, quando os inimigos eram os judeus e outras minorias, no golpe de 1964, no Brasil, no combate ao socialismo e, nos Estados Unidos, com o Patriot Act, na guerra contra o terrorismo.

Pois bem, não estaria o Poder Judiciário brasileiro, no que tange à esfera política, assumindo o papel de soberano e legitimador da “exceção”? Não é novidade que tribunais têm desconsiderado jurisprudências e até criado outras. Também assusta a sequência de ações arbitrárias e prisões sem justificavas legais, respaldadas somente em delações, além da adoção de “dois pesos e duas medidas”. De um lado, prisões como as de Andrea Neves, Delcídio, Palocci e tantas outras. De outro, implicados que permanecem livres, como Jucá, Geddel, Aécio Neves, Zeze Perrella e o próprio Temer.

Tudo justificado pelo combate a um inimigo maior: a corrupção. Como se a praticada por agentes públicos fosse a maior, quando 25% do PIB mundial está escondido em paraísos fiscais, fruto da sonegação de impostos pelo setor privado, como aponta a organização internacional Global Financial Integrity.

O momento exige coragem para um debate franco na sociedade sobre o sistema político brasileiro. É preciso diferenciar a prática de caixa 2 do crime de corrupção. O primeiro relaciona-se ao financiamento não oficial de campanha eleitoral e chegou a esse ponto porque não se fez a reforma política. O segundo diz respeito a enriquecimento ilícito, recebimento de propina, lavagem de dinheiro e contas no exterior.

Que cada um pague por seu erro. Mas o Brasil não pode mais esperar por uma lei que regulamente o financiamento de campanhas eleitorais e estabeleça regras rígidas a partir de então. Sobretudo, é preciso criar condições para que se realize uma profunda reforma política, elaborada e votada por uma Assembleia Constituinte, eleita exclusivamente para esse fim.
Com a participação da sociedade, essa e outras propostas podem ser aprimoradas, a fim de que o Brasil volte a respirar os ares da democracia e da liberdade.

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