Fabricio Carpinejar

Poeta escreve às sextas no Magazine e no Portal O Tempo

A tristeza do torcedor mineiro

Publicado em: Qua, 03/03/21 - 13h17

Como colorado, eu entendo a frustração dos torcedores mineiros. Foi um ano sem títulos nacionais.  

Mas o descontentamento não veio só porque o Cruzeiro não subiu para a Série A, ou porque o Galo parou a uma vitória do título brasileiro, ou porque o América não levantou o caneco da B por menor saldo de gols que o da Chapecoense.  

Há uma cobrança maior de fundo psicanalítico, como diria Hélio Pellegrino, que ultrapassa a realidade em campo.  

É o adoecimento da nossa realidade. Só restou o futebol como entretenimento neste um ano de pandemia.  

As transmissões dos jogos foram a nossa novela, capítulo por capítulo, elegendo vilões e procurando heróis.  

Jamais ficamos tão vidrados e dependentes do Brasileirão. Não existia respiro, não existia como transferir a responsabilidade para algum novo contentamento.  

As expectativas tornaram-se exageradas. Não há como sair de casa, não há como viajar, não há como participar de festas e confraternizações, não há como romper os casulos. Somos lagartas esperando a mutação da vacina que nunca vem e que nos devolverá as asas.  

O futebol restou como um único elo de normalidade no túnel do tempo, responsável pelas nossas poucas e raríssimas alegrias públicas.  

Se estivéssemos sem a possibilidade de contágio pelo coronavírus, sem o medo de a economia quebrar, sem as 250 mil vítimas da Covid-19, aceitar-se-ia melhor a derrota. Não seria uma obsessão. Os torcedores beberiam todas as cervejas nos botecos, chorariam as mágoas em grupo, falariam das desilusões até enjoar. E o trauma passaria.  

As conversas aliviariam a catarse reprimida.  

O pior é torcer sozinho, virtualmente, apartado da cumplicidade dos amigos. O peso da fantasia é agora esmagador. Achamos que só nós estamos sofrendo, perdemos a dor coletiva de massa.  

Uma coisa é desabafar no trabalho, no ponto de ônibus, no comércio; uma segunda bem diferente é não contar com formas de socializar o desespero.  

A falta de contato com os estádios, do convívio com as arquibancadas, fragilizou ainda mais os fanáticos, ainda mais os mineiros marcados pelo comportamento rueiro. Não têm onde liberar a sua raiva e parcelar a sua esperança. Não têm como comparecer e ajudar o seu clube pelo incentivo.  

Eles se veem isolados em sua paixão, tentando dar recados ou mensagens inutilmente pelas redes sociais. Às vezes, passa do tom das críticas justamente pela carência presencial. Confundem o avatar com a pessoa, a web com a calçada, exagerando nas cobranças.  

Partida esvaziada de torcida é um território impessoal, arbitrário, neutro, determinado pelo VAR e pelas câmeras.  

Quando o torcedor ia ao Mineirão ou Independência, além das delícias do tropeiro e da fuzarca, do nervosismo da véspera e da alegria dos rituais de domingo, sentia-se parte do espetáculo. Seu barulho ou os seus gritos influenciavam o resultado. Podia pedir substituições e pressionar o técnico a fazer modificações com o resultado adverso. Podia indispor o juiz puxando coro de adjetivos pouco louváveis à sua mãe. Vaias e hinos surtiam efeito no ânimo dos jogadores.  

Nada disso foi possível. Pela primeira vez, o futebol é assistido, e não vivido de verdade. Torce-se para si mesmo, não com os outros, não diretamente para a equipe.  

As eliminações e desclassificações doem duas vezes mais. A desilusão se agiganta porque o torcedor está subtraído do seu poder de decidir, de reverter quadros, de inspirar batalhas épicas.  

Encontra-se impotente em sua ilha, envolto em sua bandeira e fardado com a sua camiseta na frente da televisão, carente e morrendo de saudade.

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