Uma das minhas maiores irritações na adolescência rebelde era a forma como a mãe conversava comigo. Ela falava apertando os meus ombros. Quando eu demonstrava impaciência, ela redobrava a aproximação e segurava o meu braço, não permitindo sair de perto.
Eu me via emparedado. Alegre ou desanimada, ela seguia a coreografia passional de dar um toque em mim como se contasse com uma varinha mágica invisível para conferir se continuava prestando atenção ou para acordar a minha sonolenta e seletiva audição.
Já considerava um sacrifício olhar nos olhos nesta fase camaleônica da vida de hormônios loucos e de alteração de voz e de humor, queria fugir para o quarto e trancar a porta até crescer definitivamente.
Todo nosso diálogo era tenso, desde que reparei no costume dos tapinhas inofensivos da sua cordialidade. Quando soltava uma piada ou um tirada espirituosa, aplaudia a si mesma usando parte de minha carne.
No carro, no momento que ia de carona, ela batucava os meus joelhos a cada história.
Passei muito tempo reclamando desse tratamento como se fosse invasivo, inoportuno, desagradável. Talvez na infância ela me abraçasse, o que retardou a minha conscientização.
A surpresa veio no recreio da minha turma do Ensino Médio, quando um grande amigo da época, Eduardo, me perguntou o motivo de conversar sempre com a mão em cima da pessoa. Ou segurando ou empurrando.
Foi o momento em que eu caí em mim. Percebi que detestava na mãe o que eu próprio praticava. Tratava-se de uma projeção: mais fácil falar mal dela do que de mim. Não havia identificado que partilhávamos de igual habilidade circense, de idêntica loquacidade tátil.
Eu me preservava e me perdoava, já transferia para ela uma antipatia declarada por algo que não tinha condições de assumir que fazia.
Simplesmente porque não enxergamos os nossos defeitos. Somos bloqueados para o óbvio.
Acabei me libertando das aparências e me orgulhando de ser parecido com ela. Os encontros hoje com a mãe são um vaivém de braços, em nosso particular ringue do amor. Rimos da nossa necessidade de tocar na pele muito além das palavras.
Ao acolhermos o nosso temperamento, sofremos menos com a cobrança alheia, permitindo-nos deliciar com a saudade das semelhanças com os nossos pais.
Assim também entendi e passei a admirar o jeito local de prosear.
Mineiro conversa caminhando, rodeando, trocando o apoio dos pés. Não fica fixo como um poste. A sensação é que ele está indo embora, virando as costas, em seu deslocamento constante de vir para frente e recuar, como uma cadeira de balanço, mas só vem mudando a sua posição de vigília para permanecer mais tempo conosco.
É uma hiperatividade emocional. Antes, achava que ele tinha um compromisso, que estava apressado, atrasado para algum horário, pois vivia se movimentando no decorrer das ideias.
Minha esposa é que me alertou ao valor do ritual de palestrar socraticamente andando:
- Para ouvir, não preciso parar, uai? Estou sempre voltando.
Para pôr o papo em dia com o mineiro, você deve segui-lo. Pode acabar bem longe de casa.
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