Fabricio Carpinejar

Poeta escreve às sextas no Magazine e no Portal O Tempo

As tias mineiras

Publicado em: Dom, 08/12/19 - 03h00
Ilustração da coluna de Fabrício Carpinejar | Foto: Hélvio

As tias formam um patrimônio em Minas. Não aparecem apenas no nascimento e nas datas comemorativas. Não simbolizam peças decorativas, com presentes e lembranças esporádicas. Não têm uma função de coadjuvantes. Não estão no segundo escalão, como na maior parte das residências brasileiras.

Representam companhias para toda a vida, com a mesma importância de uma segunda mãe. Fortes, coerentes, destemidas, mulheres que não se deixam levar pelas facilidades.

Tias são madrastas emocionais, conselheiras constantes, anjos à paisana.

No Estado, o papel traduz uma honraria insubstituível, de tutoria psicológica, de completar a educação e o respeito de cada um de seus afilhados.

É uma missão levada a sério, com dedicação e acompanhamento em tempo integral dos sobrinhos. Ajudam decisivamente na formação, opinam na escolha da escola e da profissão, resolvem conflitos com os pais, amparam nos dilemas pessoais.

Sem a presença da tia, a família mineira não seria unida. É a cola da ternura, dando notícias dos primos e parentes mais distantes. Os galhos ficam mais próximos graças à doçura de suas preocupações.

Tenho vivido de perto a bênção dessas personagens. Minha mulher perdeu a sua mãe e, graças às suas tias, não perdeu também o espírito da maternidade e a alegria de ser protegida. O vazio não foi tão doloroso, o luto não foi tão implacável.

Desconheceria o que seria da dor de Beatriz se não contasse com as mãos finas e elegantes de suas tias nos seus ombros, esteios necessários para a planta florescer novamente.

Até diria que ela passou a ser filha de suas tias, as irmãs de seu pai, Norma e Geni. Como um título transferido automaticamente na ausência da responsável.

Elas almoçam juntas todas as quintas, trocam longas ligações, frequentam o nosso apartamento e costumam ser citadas com frequência em nossas conversas como fiadoras do nosso destino.

Forram as nossas almas com frases escolhidas a dedo. Têm uma paciência que se banha na fé, acham que há solução para tudo, que não devemos jamais nos desesperar.

Se há alguma dúvida, recorremos à sabedoria delas. Escutamos o que elas pensam, aceitamos a sua orientação, desfrutando da experiência e do discernimento de quem já sofreu no passado para poder nos ensinar a sofrer menos.

As tias são o nosso telefonema de emergência, o nosso pedido de socorro, o nosso colo sagrado na hora do cansaço.

Não sofro de vergonha de chorar perto delas, não enfrento nenhum constrangimento de rir alto e parecer louco. Até diria também que elas são as minhas sogras, tamanho o interesse que demonstram pelo meu bem-estar.

Da mesma forma, as tias, com o gradual envelhecimento, tornam-se as crianças grandes a serem cuidadas pelos sobrinhos. E eles podem retribuir as gentilezas recebidas e devolver a atenção dada no passado.

Beatriz alimenta o costume de levar para passear Therezinha, irmã da sua mãe, com direito a sorvete, praça e cinema. Engordam as memórias de gentilezas. Quando estão lado a lado, não se desgrudam. Passam o dia inteiro fazendo programas, que começam de manhãzinha com Beatriz a buscando na casa de repouso, e terminam de noite, com o abraço apertado no portão.

Amor de tia é pura gratidão, um sentimento desinteressado e voluntário de amadrinhamento. A única distinção é que o parto não é do ventre, mas do esforço do coração.

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