FABRÍCIO CARPINEJAR

Day off mineiro

Experimentou o prazer do ócio total. Sem alguém censurando. Sem alguém controlando. Sem alguém para prestar satisfação

Por Fabrício Carpinejar
Publicado em 22 de março de 2024 | 04:00
 
 

Mineiro casado, quando fica sozinho no final de semana, abandona a casa.
A residência se converte num estaleiro, num depósito, num ferro-velho. Ele não pretende se incomodar com a dinâmica doméstica.

Na segunda-feira, eu voltei de uma turnê de palestras e encontrei a pia cheia de louça, com todos os copos usados. Todos, sem exceção. Incluindo cálices de vinho e de espumante.

Vi pratos e pratos empilhados sobre a mesa de apoio. Um absurdo de trastes de cozinha. Parecia que o armário fora inteiramente baixado.

Pelo caminho, havia caixas vazias de pizza, coxinhas mordidas pela metade, refrigerante com a tampa longe.

Eu me assustei. Jurei que tinha entrado no apartamento errado. Não podia ser obra de uma só pessoa.

Perguntei para a esposa, com o coração na mão:

— Deu festa ontem?

— Não — ela me respondeu.

— Não me engane… Como que não? Serviu um exército? Olhe a quantidade de louça para lavar.

— Fui eu mesma que sujei tudo.

— Está brincando?

— Não, pegava sempre um copo diferente e não lavava. Quis tirar um tempo sem fazer nada. Sem detergente. Sem esponja.

Já tinha ouvido inacreditáveis testemunhos de meus amigos casados que passaram pelo mesmo apocalipse quando chegaram de viagem. Jamais pensei que iria acontecer comigo.

Beatriz estava feliz, calma, radiante.

Experimentou o prazer do ócio total. Sem alguém censurando. Sem alguém controlando. Sem alguém para prestar satisfação.

Ao regressar do trabalho, atirou o crachá nos ganchos das chaves e largou as roupas pelos corredores, sem dobrar, sem colocar no cesto ou na máquina, sem cheirar o suor, sem conferir seu estado, sem se preocupar se elas iriam amassar ou mesmo danificar, sem cogitar a proteção dos cabides.

Tão ciosa de seus trajes, ela decretou greve geral, queria apenas extravasar.

E assistiu a séries sem parar. E não se importava com o lugar onde largava a colher e o pote de sorvete. E onde cochilava. E onde acordava. Sofá era cama, cama era sofá.

E acumulou vasilhas. E deixou panelas no fogão. E não guardou coisa alguma. E sentiu, por um momento, a alegria de ser ninguém.

E leu livros salteados, que permaneceram revirados no chão, longe da biblioteca.

E folheou os jornais à toa: os cadernos se espalharam pelo vento das janelas abertas.

E pôs música alta, e dançou, e lembrou coreografias da adolescência provando figurinos antigos de festa. E teve finalmente um dia sem culpa.

Um dia de adulto sendo criança.

Ela dedicou o descanso para a perfeição da imobilidade. Para romper a rotina. Para ceder uma folga a si mesma. Para se desestressar das obrigações.

Todo mineiro tem um day off da loucura, em que solta as amarras, em que mergulha na catarse, em que desrespeita os horários de comer e de dormir, vadiando num espaço de irrestrita liberdade.

Não condene. Não se apresente inconformado. Arrume tudo quietinho, agradecido.

Não foi infidelidade. Não foi deslealdade. A bagunça é o menor dos males.

Tenha em mente que são essas ocasiões de zorra que salvam o seu casamento.