Fabricio Carpinejar

Poeta escreve às sextas no Magazine e no Portal O Tempo

Desaparecidos

Publicado em: Sáb, 30/04/22 - 03h00
 
Mineiro não diz a quem não vê há um bom tempo: “Vamos marcar um encontro”. Não usa a esperança, o fiado, para consertar a falta de contato.  
 
Ele é direto com quem não manda notícias, com quem não vem visitando: “Você desapareceu”. “Desapareceu dimais da conta”.  
 
O verbo para a procrastinação das amizades é “desaparecer”. Como se o outro fosse um fantasma. Como se o outro tivesse sido desmaterializado.  
 
É o jogo da culpa. Você desapareceu, não eu. Você encontrou algo melhor, não eu. Você viajou e deixou a gente aqui. A leitura é esta: houve uma deserção, e quem ficou é sempre o mais triste e traz o ponto de vista da resiliência. 
 
Tanto que nos reencontros aquele que permaneceu fará questão de denunciar que nada mudou em sua vida, que continua morando no mesmo lugar, trabalhando no mesmo emprego, realizando as mesmas coisas.  
 
Assume o papel de vítima do descuido, manteve-se parado enquanto o sumido se movimentou, evoluiu, cresceu, formou família, trocou de função, ganhou promoção, alçou voo a novo status e simplesmente se esqueceu dos seus amigos.  
 
O mineiro não entende a ausência de notícias como uma contingência da pressa, dos afazeres, das ocupações das carreiras. Acredita que é pessoal. Que é parte de uma escolha consciente de distanciamento. 
 
Mostra-se ferido e magoado, abandonado e desvalorizado.  
 
Os primeiros minutos da reaproximação são difíceis, angustiantes, tensos, de longos silêncios e de cabeças baixas. Demora-se para reaver a naturalidade e a atualização dos laços. Primeiro, surgem a cobrança e o desapontamento. Em seguida, a dúvida da afeição genuína. 
 
Existe todo um esforço de resgate da cumplicidade, até ser entendido que o afastamento não foi de propósito. E até ambos voltarem a rir, livres e perdoados, com alguma lembrança em comum, ou descrição de pessoa do convívio mútuo.  
 
Aliviados do engano, as pazes se consolidam chamando para um cafezinho: “Cê vai lá em casa tomá um café?” 
 
Qualquer mineiro desgarrado se coloca em desvalia.  
 
O que experimentei em Minas é o apreço às amizades como nunca testemunhei em nenhum lugar. Não se brinca com a lealdade. Não se larga uma prosa subitamente. Não se sai de uma intimidade à francesa. 
 
Você não pode parar de telefonar ou de aparecer impunemente. É necessário cultivar as vizinhanças. É necessário marcar saídas mesmo que sejam sazonais. É necessário bater cartão de ponto.  
 
Um ano sem voz e rosto é imperdoável.  
 
Desaparecer é mais do que morrer, mas matar o amor de inanição.  
 
Amigo para o mineiro é família. É sagrado. Ele justamente demora para selar convivências para não passar pelo sufoco da desconfiança.  
 
Se você largar um colega para trás, ele vai sentir o hiato com o peso emocional esmagador de uma orfandade.  
 
Que ligue para alegar que está sobrecarregado, que surja com alguma novidade para recarregar a bateria da conexão. Minutinhos aliviam meses de suspeita e ruminação.  
 
Repare na importância do “aqui” para toda frase dita. Porque o “aqui” mineirês é a supremacia do agora. Não deixe um afeto para depois, para não sofrer tendo que dar constrangidas explicações.

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