FABRÍCIO CARPINEJAR

Mineiro não consegue ficar muito tempo longe

Mineiro adoece longe de sua terra. Adoece de saudade. De fatal saudade

Por Da Redação
Publicado em 23 de fevereiro de 2020 | 03:00
 
 
Acir Galvão

Mineiro adoece longe de sua terra. Adoece de saudade. De fatal saudade. 

Não é uma gripe, é saudade de doer o peito e encolher os ombros, de exigir uma cadeira para sentar tamanho o aperto no coração. Ele não anda fora dos trilhos de seu lar. 

Vai se sentindo esquisito, estranho, isolado quando é condicionado a morar em outro Estado. 

Não há povo mais apegado ao torrão, no sentido físico, de precisar estar ali. 

Sente falta da rua em que ele passou a infância, do bairro cujas saídas ele memorizou, da cor do céu, das nuvens, das frutas e, em especial, do jeito afetuoso e protetor das pessoas. 

Até aguenta ficar um tempo afastado, para um trabalho, um curso, um romance, desde que seja com uma duração planejada e previsível. 

Pernambucano e gaúcho, por exemplo, são bairristas, mas levam as suas tradições sem sofrência para novas paragens. Continuam fazendo piadas em cordel, abusando na pimenta ou tomando chimarrão. Carregam a sua cultura para onde estiverem. 

Já o mineiro, não. O maior patrimônio do mineiro é a família. Sem ela por perto, ele se desorienta. Nem cartas remedeiam, nem FaceTime diminui a angústia, nem telefonemas consertam a alma. 

Minha esposa, natural de Belo Horizonte, morou comigo dois anos em Porto Alegre. Acreditei que daria um alívio para enfrentar o luto de sua mãe. Raciocinei que criaria uma trégua para Beatriz não ter que lidar com as lembranças recentes, em carne viva: o clube, a igreja, a vizinhança, todo mundo perguntando como estava a sua mãe e ela tendo que explicar que ela havia falecido. Dia sim, dia não, ela repetia o convite de enterro para algum conhecido na rua. 

Mas a distância, em vez de fortalecê-la, apenas a enfraqueceu. Mesmo a mimando com serra e pampa, conduzindo-a a passeios inesquecíveis, oferecendo presentes, redecorando o ambiente, emprestando os amigos: o vazio crescia. Ela, de fato, nunca desfez as suas bagagens por dentro. 

Beatriz dependia de Minas mais do que eu dependia do Rio Grande do Sul. Eu suportava a lonjura, ela era a própria lonjura no olhar. Não que ela amasse Minas mais do eu amo o Rio Grande do Sul. Era um amor diferente. 

O amor para o mineiro com o seu chão é maternal, de colo e ventre. O amor do gaú cho com o seu rincão é paternal, de orgulho e estrada. 

Eu vi que ela ocupava grande parte de sua rotina fingindo que não embarcou em Confins. Mantinha o hábito de falar com as tias, o pai, os confidentes, como se eles estivessem a poucos quarteirões de sua voz. 

Compreendi que, ao perder a mãe, não poderia perder também a proximidade da família. Os chás de sexta, os encontros com seus grupos na quinta, a sua caminhada de sábado na avenida Bandeirantes, a sua natação nos fins das manhãs representavam a sua riqueza emocional. Apartada de seu local, vivia deserdada, dilapidada, órfã. 

O sotaque apresentava um papel fundamental para curar as suas dores. Não bastavam as palavras certas, elas deveriam ser ditas no dialeto de sua região, na quentura do convívio. 

Ao viajar, o mineiro ficará feliz ao comprar a passagem de volta. Só com a data garantida de retorno será capaz de aproveitar a estada. Ele é enraizado, como as majestosas e imperiais palmeiras na praça da Liberdade, não consegue permanecer muito tempo longe de casa. Não ouse arrancá-lo de seu solo de ferro e fé.