FABRÍCIO CARPINEJAR

Miniatura da cidade

'Ao descer a avenida Augusto de Lima, acontecerá alguma coisa em seu coração, mudará o seu jeito de encarar a mineiridade, terá orgulho de sua origem, o sotaque encherá a boca com a doçura de balas de coco.'

Por Da Redação
Publicado em 06 de setembro de 2020 | 03:00
 
 
Ilustração da coluna sobre o Mercado Central de Fabrício Carpinejar Hélvio/O Tempo

A criança nascida na capital mineira recebe o título de belo-horizontina apenas quando os pais a levam para o Mercado Central. Daí ela tem a sua certidão de nascimento confirmada. 
 
Mais do que os verdejantes passeios em parques e praças, mais do que a placidez da lagoa da Pampulha e os suspiros dos mirantes. O Mercado é o contato com a ecologia humana, com os seus iguais, com o colorido do artesanato. Tanto que a Feira Hippie reproduz o antigo centro de compras: é ele sem paredes.
 
Ao descer a avenida Augusto de Lima, acontecerá alguma coisa em seu coração, mudará o seu jeito de encarar a mineiridade, terá orgulho de sua origem, o sotaque encherá a boca com a doçura de balas de coco. 
 
É o passeio mais deslumbrante da infância, quando você entra na miniatura da cidade e, incentivado pelos gritos dos vendedores, mergulha no mar de rostos, num chão de delícias, com 400 pontos de venda e mais de 90 anos de história. 
 
Os pais regridem de idade, assemelhando-se a colegas de escola. Enxergam apontando os dedos, rindo pelos cotovelos, certamente lembrando da primeira vez que ingressaram pelo arco de pedra, quando também eram pequenos, conduzidos pelos seus pais, dando sequência a este cetro de carinho que vai sendo passado de mão em mão, de geração a geração. 
 
Até porque os pais no Mercado Central encontram a sua melhor versão. Os filhos se encantam ao descobri-los com tantos amigos, cumprimentando tanta gente, não parando de parar para puxar prosa com conhecidos. São outras pessoas nos instantes de multidão, receptivas e calorosas, desprovidas de censura e medo, mais dizendo “sim” do que “não”, diferentes das preocupações e proibições de casa. Tudo é experiência, nada é perigoso, estranho e ameaçador. 
 
Eles não reclamam de não achar um lugar para se sentar, aceitam o improviso de bom grado, levantam os pequenos para que se encostem no balcão e sintam mais perto os temperos da chapa. A fumaça não incomoda coisa nenhuma, igual à fogueira de festa junina. Experimentam fígado com jiló ronronando. A felicidade é comer de palitos. 
 
Tente entender o que é para uma criança fazer a sua estreia por aqueles pórticos. Ela não sabe por onde começar a olhar, a admirar, é como se todas as lojas do mundo estivessem juntas, uma de frente à outra. 
 
É um susto de alegria, fica-se com a impressão mágica de que se está dentro de uma imensa geladeira, as vitrines são prateleiras de uma geladeira gigante. Tem casa de limonada, tem casa de mel, tem casa de croissant de chocolate, tem casa de suco de abacaxi, tem casa de esfihas, tem casa de café e bolo de cenoura. 
 
Provam-se queijos, rapadura, polvilho e biscoitos antes mesmo do almoço. Os produtos recheiam o teto, como uma Páscoa agrícola. Terá com o que sonhar nas próximas semanas entre aéreos cavalinhos de pau, berrantes, placas de “bem-vindo”.
 
Não há o desejo de localizar uma saída tão cedo. As andanças pelas escadas e pelos corredores não cansam, renovam a curiosidade. É um labirinto do bem, cada vez mais para dentro da leveza, para o núcleo de uma família coletiva.
 
Como pode existir tal liberdade em um espaço fechado? Impossível de explicar. Só vivendo. 
Um novo tipo de luz desce das janelas do estacionamento no segundo andar, uma luz coada de igreja. É o momento de rezar a cordialidade, de ser mineiro de raiz.