FABRÍCIO CARPINEJAR

Não conseguimos

'Um sopro de orgulho apaga-se de nosso convívio. Uma mestra. Uma discípula do diálogo. Uma orientadora de várias gerações.'

Por Da Redação
Publicado em 02 de setembro de 2020 | 16:32
 
 
Ilustração Coluna Fabrício Carpinejar Hélvio/O Tempo

Maria das Graças Cária não resistiu. A coordenadora pedagógica do meu filho no Ensino Médio e professora de Química do colégio Santo Antônio de Belo Horizonte (MG) faleceu, aos 69 anos, na manhã dessa quarta (2/9), vítima do Coronavírus. 
 
Algo em mim acordou quebrado. Não entendia o que era. Uma raiva desproporcional. Despertei às 5h e não consegui pregar o olho. Tudo me irritava, tudo não parecia certo, tudo soava injusto. Havia uma vontade de gritar mais do que chorar - o grito afônico, sufocado, ilegível. 
 
O mal-estar era Cária se despedindo, sua lembrança dentro de mim fechava a porta do destino para nunca mais vê-la. 
 
Não foi por falta de oração, de vontade, de amor pela vida. A doença age diferente em cada organismo. Para uns, é gripe. Para outros, é uma bomba. Não existe ainda condições de prever quem é capaz de sair impune. 
 
A Covid-19 atinge os pulmões com tal letalidade que o ar é raro e qualquer palavra depois inexata. 
 
Um sopro de orgulho apaga-se de nosso convívio. Uma mestra. Uma discípula do diálogo. Uma orientadora de várias gerações. Quantos escolheram a sua carreira a partir de sua paixão? Quantos profissionais agora neste momento se encontram desorientados como eu? 
 
É como perder uma segunda mãe. 
 
Os corredores da escola estarão silenciosos por um longo tempo, não sei quem terá coragem de limpar as suas gavetas e deitar os porta-retratos. 
 
Eu admirava o jeito dela de incentivar os estudantes. Como se partilhasse de seu pingente de coração em cada pescoço. 
 
O marido de Cária tinha ido uma semana antes, também infectado. Ela seguiu o amor. Não dá para recriminá-la. www.facebook.com/Carpinejar