FABRÍCIO CARPINEJAR

Náufragos das férias

'A questão é que ele não gosta de ser devolvido, num momento offline, de volta para a sua realidade'

Por Da Redação
Publicado em 08 de maio de 2022 | 03:00
 
 
NÁUFRAGOS DAS FÉRIAS Acir Galvão

 
Mineiro ama seus amigos e sua família. Mas, quando entra de férias, não quer encontrar ninguém por perto. Uma das suas maiores decepções é ir para uma praia deserta, remota, e dar de cara com um conhecido. Ele arca com a sensação de que não escolheu muito bem o seu esconderijo. 
 
Se possível, preferiria ser um náufrago somente dourando os peixes na fogueira. 
 
Nem sei como explicar a natureza deste isolamento espiritual. Não é uma atitude esnobe, não é para ter a exclusividade de postagens nas redes sociais. Não tem nada a ver com status ou vaidade. Não é para ostentar que descortinou uma joia da natureza, um local secreto e de acesso restrito. Não é que sofre da síndrome de Cristóvão Colombo ou de uma mania de grandeza. 
 
No seu recato, predomina um fundo de saúde emocional. Na sua discrição, vigora um sentimento de autoproteção. 
 
A questão é que ele não gosta de ser devolvido, num momento offline, de volta para a sua realidade. 
 
O mineiro que encontrar vai lembrá-lo do trabalho, dos colegas implicantes, da inveja e do ciúme, das contas a pagar, das obrigações, de tudo o que ele pretendia se livrar por alguns dias. 
 
Mineiro sem passado não é mineiro. Portanto, não existe chance nenhuma do convívio se ater unicamente ao presente, às condições climáticas e à mudança das marés. 
 
Predominará a nostalgia em qualquer conversa. A ficha corrida da vida será puxada no mais prosaico esbarrão. 
 
Até passar a limpo todas as pessoas em comum, não acontecerá a despedida. O papo será um inventário de coincidências, de semelhanças, de afinidades. 
 
Mineiro só sossega quando cata conexões e pontos em comum com outro mineiro. Fica cavoucando fatos, acontecimentos, sobrenomes, referências, até localizar uma convergência. 
 
O risco é trocar dedos de prosa com um completo desconhecido e, no fim, descobrir que ele é parente. Sairá dali com uma condenação sentimental. Não poderá mais virar as costas. O próximo passo é jantar junto e passar o veraneio inteiro dividindo as argolas do cooler.
 
Toda viagem solitária de casal termina em excursão. 
 
A situação é mais comum do que você imagina. Sempre que Beatriz, minha esposa, cumprimenta algum mineiro em nossos descansos, já vejo sua família aumentando. 
 
O que me leva a concluir que não há poda na árvore genealógica do mineiro. Um dia os galhos vão cair sobre a cabeça dele. 
 
Pela imersão da intimidade estabelecida nos contatos mais despretensiosos, é inviável se desplugar das preocupações. 
 
Você está lá de biquíni ou sunga tomando água gelada de coco, ajeitando o canudinho, debaixo do guarda-sol e, do nada, precisa se esforçar a detalhar como anda a sua carreira ou seu casamento ou seus filhos. O mar irá se apequenar em sua frente pelos ruídos da rotina. É como ser abduzido para uma terapia. 
 
Férias ideais para o mineiro são detox do círculo de afetos. Mas nem sempre ele está com dinheiro sobrando. Às vezes, o risco é viajar para Cabo Frio e ter a sensação de que não saiu de casa.