FABRÍCIO CARPINEJAR

Ninguém aprende a dirigir de carona

Você aprende a dirigir assumindo o volante. Há uma distância entre a teoria e a prática

Por Da Redação
Publicado em 05 de março de 2022 | 03:00
 
 
Hélvio

Ninguém aprende a dirigir sendo carona. Você aprende a dirigir assumindo o volante. Há uma distância entre a teoria e a prática.

Os pais se esquecem dessa lição básica quando os filhos adolescentes vão morar sozinhos. Acreditam que o filho, durante a convivência com os pais, absorveu automaticamente a dinâmica de uma casa, os cuidados com cada aposento, a limpeza grossa da faxina e a conservação dos ambientes.

De modo nenhum: eles estavam preocupados em experimentar as suas individualidades, entretidos com a sua realidade mais imediata, não assistindo a tutoriais ao vivo. Não sobrava tempo para comerciais de Polishop.

Até porque o adolescente possui a mentalidade de um JK. Entende que a casa inteira é o seu quarto. Não separa a cozinha da sala do banheiro do escritório. Não enxerga divisórias porque viveu de um único jeito antes. Tudo é o mesmo espaço. Não entende ainda que pode receber uma visita ou que deve repor o que é usado aos poucos. O adolescente só vai lavar as vasilhas quando não restar mais um copo ou prato limpo, só vai lavar a roupa quando não contar com uma cueca ou calcinha, vai recolher as caixas quando já formar um depósito da Amazon na área de serviço. É bem capaz de empregar um pano de prato para todo serviço sujo.

É necessário que os pais acompanhem os seus filhos nos meses iniciais de mudança, para solucionar dúvidas e repassar macetes. Estarão ali não mais como provedores, mas como convidados, como hóspedes. O protagonismo será do filho. Ele é quem mandará no espaço. Ocorrerá a troca de papéis sem nenhum movimento brusco, a partir de uma proximidade terna e inspiradora.

Foi assim com a minha mãe, que teve a companhia da minha avó em seus primeiros 30 dias de apartamento novo. Ela não penou, compreendeu as suas obrigações ou quem chamar no caso de privada entupida, fiação falha, geladeira parando.

A independência não significa virar as costas, largar de mão.

Meu filho saiu do colégio em BH para a universidade federal em Porto Alegre, partiu do extremo de uma cama, armário e escrivaninha para outro, de uma residência só para si, e eu errei não prestando os auxílios imediatos de transição. Era certo que ele não me pediria ajuda, deve ter sofrido horrores querendo se mostrar autônomo. Faltou-me o traquejo da paciência, de ter sido uma sombra silenciosa para firmar os seus passos fundadores e evitar traumas como furar a parede para um quadro e se espantar com um vazamento.

Não expliquei como arear o fogão para as bocas não entupirem, como arredar os móveis para bater o tapete, sobre a alternância das máquinas de lavar e secar, da retirada trimestral das cortinas para não acumular poeira nem permitir que as suas pontas queimem ou fiquem alaranjadas. Não detalhei quais produtos químicos servem para cada tarefa.

Ele assumiu uma herança incerta, desconhecendo o que havia nas gavetas, onde escondia os utensílios. Promovi uma cabra-cega com o meu passado naquele lugar.

Foi impelido a descobrir as engrenagens domésticas da pior forma. Ele já sabia cozinhar, já era maduro para as responsabilidades, já desfrutava de noção de pagamento de faturas e de economia para o mês. Apenas careceu de um carinho a mais. De uma gentileza. De um acréscimo de incentivo. Poderia ter sido mais prazeroso.

Não abandone os seus filhos porque confia neles.