A primeira vez

O Feitiço do Mar

Mineiro tem dois nascimentos. O segundo é quando olha o mar pela primeira vez

Por Da Redação
Publicado em 08 de setembro de 2019 | 03:00
 
 
Acir Galvão

Mineiro tem dois nascimentos. O segundo é quando olha o mar pela primeira vez. 

É o encontro de duas imensidões: a da montanha com a das águas. 
Mineiro não esquece de sua estreia na praia. Pode ter sido na Bahia, no Espírito Santo, no Rio de Janeiro, seus Estados vizinhos. Mesmo que seja muito criança ou bebê, lembra do alvoroço da espuma, recorda-se de onde foi e como foi. Da sensação de enxergar o infinito curvo, de respirar a maresia, de se acalmar com o barulho de uma concha no ouvido, de puxar o sol para os olhos a partir dos reflexos do espelho azul, de deitar na canga para acompanhar o desenho das nuvens e a copa dos coqueiros. 

Guarda a data como um marco inesquecível de sua existência. 
Não conheço um povo que ame tanto o mar, porque não o tem, e ame tanto o mar, porque está acostumado a entender os seus morros verdes como ondas gigantes tocando o céu. 

Fácil descobrir quem é mineiro na areia. Chama atenção pela sua alegria. Ele é pacato, discreto, de poucas palavras, apenas em sua cidade. No litoral, ocorre uma mutação carnavalesca. 

Compra roupas para as férias. Aparecerá de biquíni, maiô, bermuda e sunga novos, a ponto de ter que tirar a etiqueta das lojas.

Reconhece o período como uma festa social, uma celebração em que deve dedicar, como convidado, o melhor de suas gavetas. 

Entre as milhares de barracas, tendas e guarda-sóis, descobriremos quem nasceu em Minas pela disposição sobrenatural de curtir o momento até o último minuto. É o que chega cedinho e o último a sair. Nunca está sozinho, sempre com amigos e família, formando uma espécie de tribo de adoração da luz. Monta verdadeiros povoados com bonés, chapéus e turbantes com camisetas. Traz isopores e coolers e demarca o território de refeições em círculos, alternando cerveja gelada e lanches para uma maratona. Goza de estoque para atravessar o almoço, a sesta, não duvido que não tenha pensado em agasalhos com o objetivo de enfrentar a brisa do entardecer. 

Quando toma banho, não entra caminhando, devagar, medindo a temperatura, como a maior parte das pessoas, mas corre espalhafatoso, joga-se na água, mergulha, vira uma criança.

Se há alguém hiperativo no fundo, garanto que é mineiro, com uma coreografia que vem do batimento cardíaco. 

Experimenta o mar sem idade, sem medo, sem chiliques, sem trauma de se afogar. Como um peixe reencontrando as suas escamas e brilho.

Nada, brinca, inventa pistolas com as mãos, pega jacaré, dá caldinho nos colegas. Não sossega em apenas molhar a cabeça e se refrescar. Transforma a praia em uma piscina – só falta o trampolim. 

O sal dá um choque de vigor e ânimo em seu sangue. Não reclamará de enxaqueca e mal-estar, ainda que tenha enfrentado festas na noite anterior. Cura a ressaca com bebida, jamais com aspirina. 

Tem um rendimento de Juízo Final, de últimas 24 horas da humanidade. Não nega um convite para frescobol, futevôlei, futebol, vôlei, caminhada. Torna-se parceiro para qualquer empreitada, um triatleta natural. 

Os pais não se contentam em fazer castelinhos para os filhos, realizam um condomínio. Em suas frenéticas mãos, baixam espíritos de engenheiros e arquitetos. Instalam maquete do Alphaville na orla, com a reprodução da Lagoa dos Ingleses. São obras faraônicas, para aplausos dos passantes. Se pudessem, pediriam ajuda de pás de verdade e retroescavadeiras para aumentar a verossimilhança. 

Em manhãs nubladas e chuvosas, caso encontre vinte banhistas na praia, tenha certeza de que os vinte são mineiros. Não há dia ruim para eles.