FABRÍCIO CARPINEJAR

O imprevisível sempre possível para o mineiro

'Mineiro acalenta depósitos e quartinhos de quinquilharias, seja num guarda-volumes na garagem, seja num aposentado fechado à visitação'

Por Da Redação
Publicado em 04 de setembro de 2021 | 03:00
 
 
Hélvio

Mineiro é um ser prevenido por excelência. Espera o pior já preparado. 
Ele pode desfrutar da tecnologia de última geração, mas não abre mão dos seus recursos ancestrais. 


Em toda casa moderna, haverá a sabedoria dos avós nas gavetas. 
Na aparência neon da metrópole, por dentro dos armários, conserva os macetes pré-históricos como se ainda vivesse no interior da estrada mais inacessível. 

Depois do apocalipse, só sobrarão baratas e mineiros. Aliás, eles vão matar as baratas. 
Eles estão prontos para tudo dar errado, para uma quebradeira sem igual, para blecautes, para apagões. Acreditam na modernidade, mas confiam mais no artesanato. 

Ainda que tenham cafeteria e máquina de café, vão guardar um coador de pano para se valer em último caso. 
Ainda que tenham uma iluminação segura, não deixarão de comprar velas. 

Ainda que tenham fogão elétrico, continuarão trazendo caixas de fósforos do supermercado. 
Ainda que tenham máquina de lavar, não esquecerão do clássico sabão de coco. 
Ainda que usem repelentes de tomadas, contarão com inseticida na despensa. E não duvidem de que o mosquiteiro da infância não esteja dormindo numa caixa. 

Ainda que tenham ar-condicionado, haverá uma série de cobertores guardados, dos materiais mais variados, da lã com franjas ao sintético. 
Ainda que tenham uma furadeira, colecionam martelos, brocas e pregos numa maleta de ferramentas. Não faltará nem a pua. 

Ainda que tenham um aspirador de pó robô circulando pela sala, não dispensam a vassoura de palha e a pazinha. Aliás, atrás da porta, pode ter certeza que encontrará também o rodo e a vassoura de cerdas. 

Ainda que tenham um box de vidro nos banheiros, não descartam as antigas cortinas de banho, que continuam com as suas barras acondicionadas em algum lugar. 
Ainda que tenham babyliss, não dispensam os antigos bobes para os cabelos. Minhas tias mantêm um excêntrico secador de pé, que mais parece um capacete de astronauta. 

Ainda que tenham acesso às receitas gastronômicas online em segundos, conservam o caderninho com os principais pratos e doces da família. 

Mineiro acalenta depósitos e quartinhos de quinquilharias, seja num guarda-volumes na garagem, seja num aposentado fechado à visitação. Não renuncia um lugar para empilhar eventuais emergências. 

Tudo é inacreditavelmente possível de ser achado, de veneno para formigas a ratoeiras, de estufas a aparelho dois em um. 
Um museu resiste ao tempo nos subterrâneos dos lares. Seu lema é “um dia posso precisar”. 

Minha esposa não coloca nada fora. Já vi uma porção de leques para se abanar no calor.

Preserva galochas mesmo que esteja longe de qualquer banhado. Dispõe de ceroulas, luvas, casacos corta-vento, collants de balé… Descobri até roupas e óculos de esqui, o que me causou uma grande surpresa. Vá que aconteça uma tempestade de gelo pelas montanhas de Minas. 
O imprevisível é a rotina mental de quem vive por aqui.