FABRÍCIO CARPINEJAR

Piada em Minas é merecimento

Mineiro, quando finalmente gargalha, já o considera como parte da sua família

Por Da Redação
Publicado em 11 de março de 2021 | 13:41
 
 
Acir Galvão

Desde pequeno, seguindo a tradição gaúcha, como faço para conquistar a simpatia de alguém? Tento ser engraçado. Tento ser espirituoso. Tento quebrar o gelo. 

Nem conheço a pessoa e procuro explorá-la pela observação, pelo chiste, pela bravata, com algum comentário capaz de desvelar características pessoais ou localizar gostos e conexões em comum. 

São minutos de extrema entrega humorística e psicanalítica para ganhar atenção. Emprego o meu repertório de gafes e a minha linguagem não verbal para diminuir uma possível rejeição. 

O gaúcho sempre se sente, antecipadamente, preterido e, por isso, se esbalda na graça. Seu objetivo é desarmar o oponente, fazer com que se sinta familiar desde o aperto de mão, para ele não conseguir mais odiá-lo. 

Eu abuso de abraços, de olhares demorados, de cumprimentos de estalar os ossos. Existe uma implicância que denota o meu esforço de aproximação. 

Sou cômico no contato inicial, um clown, depois é que assumo, ao longo da convivência, diferentes papéis da amizade, como trapezista e domador de leão. 

Julgava que tinha um superpoder, chegava a considerar a minha facilidade de comunicação um produto inestimável do carisma. 

Menos em Minas. Ao morar aqui, descobri que o meu comportamento é sumariamente neutralizado. Não conta pontos, não traz vantagens. Pelo contrário, apenas afasto mais toda gente com o estardalhaço.

Mineiro não gosta de piada de cara. Entende que você está debochando dele, está encontrando defeitos, está se colocando num patamar superior, de plena arrogância. 

Vai receber os comentários de modo literal, confundindo-os com grosseria. Como tem o direito de dizer como o outro é antes de realmente se apresentar? Como pode presumir uma identidade pela aparência? 

O que ele pensa é o seguinte: “quem é esse sujeito que vem se achando a última bolacha recheada do pacote?”

Ele fechará o semblante, a porta, mergulhará num silêncio áspero de poucos amigos. 

Não se deve soltar ironias com quem ainda desconhece ou cultivar ambiguidades, apesar de movido por boas intenções. O veneno voltará para a sua língua. 

Seja direto e educado, seja explicativo e didático, para merecer ser ouvido. Tenha paciência para estabelecer a profundidade dos laços. Não é feito subitamente, como um passe de mágica. Haverá de passar por três encontros no mínimo para inspirar o lado mais brejeiro das palavras. 

Isso também funciona para negócios, que são fechados após vários almoços - é reparando no jeito que você come que mineiro vê se é de confiança. 

Mineiro é muito engraçado, desde que não o atropele com suposições. A aproximação depende da reincidência para que ele descubra os seus verdadeiros propósitos. 

As galhofas acontecem a longo prazo. 

A afeição não se concretizará à primeira vista, exigirá litros de cafezinhos e mordidas nos pães de queijo. Ele é desconfiado com as facilidades e os exageros. Previne-se de oportunistas e interesseiros. Tudo é golpe até que se prove o contrário. 

Piada em Minas não é servida como tira-gosto, é a sobremesa da relação, acontece por merecimento, surge por último, com a intimidade firmada, para coroar a cumplicidade. 

Não dá para sair rindo, guarde o riso para rir junto. Mineiro, quando finalmente gargalha, já o considera como parte da sua família.