O TEMPO

A messe é grande, mas poucos são os candidatos

Número de redações nota mil é o menor desde 2013

Por Da Redação
Publicado em 03 de abril de 2021 | 07:00
 
 

Qual a semelhança entre ganhar na Mega-Sena e tirar a nota mil na redação do Enem? A verdade é que tudo é uma loteria. Confesso que meu otimismo precisa estar em níveis confortáveis para achar que um vestibulando estampar a capa de jornal é meritocracia. Antes que joguem pedra na cruz – em pleno sábado de Aleluia –, não estou desmerecendo os filhos de Deus que conseguem essa façanha, mas também não sou vaquinha de presépio.

Explico. Fui avaliador por quase dez anos e já corrigi milhares de textos. Já analisei inúmeras redações nota mil e pasmem: nenhuma atingiu mais que 680 pontos. Nenhuma. Nadinha. Nadica de nada. Na verdade, o que eu quero contar é que, para conseguir a nota máxima, o participante precisa encarnar a perfeição e comer o pão que o Diabo amassou.

A redação do Enem tem critérios categoricamente objetivos, só que a subjetividade do corretor predomina no contexto geral de avaliação – e vocês não sabem da missa a metade. Vou contar o milagre, mas não vou dizer o nome do santo: a competência I, que exige um conhecimento do emprego da norma culta da língua portuguesa em situações formais de escrita, apresenta, nos níveis II, III e IV, parâmetros como “muitos”, “alguns” e “poucos” desvios gramaticais e de convenção da escrita, respectivamente. Como o avaliador consegue mensurar o que são “muitos”, “alguns” e “poucos” erros em um texto de 30 linhas? E de 18 linhas? Simplesmente não consegue. Isso fica ao Deus dará e você pode levantar as mãos para o céu se o bom samaritano do corretor não mudar da água para o vinho.

Em uma correção em larga escala, os textos que buscam – e quase conseguem – a excelência acabam pagando pelos pecados dos outros e dificilmente serão levados ao altar da escrita. Como a média nacional é baixa, os textos medíocres, por incrível que pareça, são prestigiados com uma pontuação maior. Só para se ter uma ideia, em 2020, a nota mediana do brasileiro foi de 588,74 e, como santo de casa não faz milagre, dos 2.723.583 candidatos, houve apenas 28 que obtiveram mil pontos na redação. Sabe quando o Enem vai valorizar quem é fera na escrita? No dia de São Nunca.

Aqui se faz, aqui se paga.