FÁTIMA OLIVEIRA

As comidas sertanejas mágicas e inesquecíveis em Imperatriz

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 02 de agosto de 2016 | 03:00
 
 
DUKE

Na semana passada, estive em Imperatriz (MA) durante três dias. Voltei desolada da Terra do Frei (carmelita baiano frei Manoel Procópio do Coração de Maria, 1809 ou 1810-1886, fundador da cidade em 16.7.1852) por não ter conseguido comer minha comida predileta e obrigatória: a panelada do João do Cruzeiro do Sul, vendida ao ar livre na avenida Getúlio Vargas desde o amanhecer até acabar, e à noitinha também. Tentar até tentei, mas nas três vezes nas quais estive lá havia acabado! Não como em qualquer lugar – ou é feita em casa, ou é a de lá, embora encontremos outras paneladas famosas na cidade toda, como as das Quatro Bocas. 

Imperatriz sintetiza encontro de tradições, crenças e costumes; é uma cidade que incorporou uma cultura alimentar diversa, oriunda dos diferentes povos de outras regiões do Brasil e até de outros países que lá fixaram residência. Todavia, as comidas do sertão dão o tom culinário da cidade, tais como galinha caipira, carne de sol, bode no leite de coco, buchada de bode, sarapatel (feito de vísceras de bode, de porco ou de carneiro), arroz Maria-Isabel e a célebre panelada (cozido de bucho, tripas e mocotó de boi, adornado com linguiça e até paio), que na feitura é similar ao que conhecemos como dobradinha e ao mocotó da ilha de São Luís – que não levava tripa, mas agora muitos lugares especializados na iguaria colocam algumas tripinhas.

O mocotó da ilha, que era só mocotó (do quimbundo “mukoto”: “pata de animal”), já virou panelada, oxente! E tanto dobradinha quanto mocotó e a panelada mantêm similaridade com o prato português tripas à moda do Porto (vários tipos de carne, enchidos, tripas e feijão-branco), que, segundo registros, “remonta à época dos descobrimentos portugueses” e é um ícone da culinária lusitana. E todos se parecem com outra antiguidade culinária espanhola, os “callos a la madrileña”.

O historiador, antropólogo, advogado e jornalista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) declarou que a panelada “evidencia nobre antiguidade, ligando-se à dinastia assombrosa das ollas, oilles, paellas, cassoulets, pot-au-feu, caldeiradas, devendo batismo à vasilha em que cozinham, confusa e recendentemente”.

Também gosto dos peixes do rio Tocantins, mas não morro de amor por eles. A explicação é simples: meu paladar não é ribeirinho, é sertanejo! Mas há peixes deliciosos, sendo muito comuns curimatá, pacu, dourado, pintado, namorado, filhote e tambaqui (o que menos gosto!). Também amo peixe seco, de água doce ou salgada, incluindo bacalhau, com leite de coco, preferencialmente babaçu!

Parece que, quanto mais velha a gente fica, mais apurado vai ficando o paladar quanto aos sabores nos quais fomos criados. Por exemplo, prefiro carne fresca, sem ter passado perto de geladeira ou ser desidratada (carne de sol, carne serenada ou carne-seca). Em Imperatriz, gosto das comidas do sertão. E a genuína comida do sertão lá não é feita em restaurantes, é vendida nas ruas! Dizem os nutricionistas que somos o que comemos, então Imperatriz é panelada!

Ingratidão é coisa triste! Até hoje nenhum prefeito erigiu um monumento à panelada, algo como um Centro Cultural e Gastronômico da Panelada. Falam que frei Epifânio da Abadia, com seu bom humor ferino e cáustico, dizia que, “em Imperatriz, há três coisas de respeito: a água do Tocantins, a panelada e os ‘gatos’ da Farra Velha”.

E Câmara Cascudo, em “História da Alimentação no Brasil”, testemunha: “Nada mais é possível fazer depois de uma panelada ou buchada. Convite para abstração, no tédio feliz de ruminante satisfeito”.