Fatima Oliveira

Clarinha, a decidida, e o “‘tibungo’ dentro do berço”!

Publicado em: Ter, 25/03/14 - 03h00

Em “A arte de ser avó”, uma crônica bela e polêmica, Rachel de Queiroz diz: “Netos são como herança. Você ganha sem merecer... E, quando você vai embalar o menino, ao som de ‘passarinho como vai’, ele, tonto de sono, abre os olhinhos e diz ‘Vovó’, seu coração estala de felicidade como pão de forno”.

Luana, quando pequena, adorava ver as “joias da vovó” – um mar de bijuterias e pouquíssimas joias. Devo ter dito que seriam delas quando eu morresse. Um dia perguntou: “Lucas, quando a vovó vai morrer?”. Ele: “Ô Luana, a vovó não vai morrer!”. Ouvi e gargalhei. Comigo aprenderam a ouvir passarinhos, deitados em minha cama após o almoço; a amar cavalos e a cavalgar. E quando os vejo galopando um manga-larga marchador, fico só felicidade.

Há umas duas semanas, recebi da Lívia uma foto de um cacho de cabelo enorme pregado numa agenda: “Olha o que Maria Clara fez na escola!”. Respondi: “Quer dizer que a professora cortou o cachinho?”. Ela: “Não, mãe! A própria Maria Clara. E falou pra professora que cortou porque o cachinho a estava atrapalhando de pintar”. Passei a relembrar outros momentos de Clarinha, a decidida, e constatei que ela, com 4 anos, já tem a manha para resolver problemas. Não dá voltas na pedra do caminho, retira-a!

Nas férias de janeiro passado, Inacim estava “pintando e bordando” na sala, quando Clarinha bradou: “Moleque saliente, vou te pegar de jeito! Se comporta, Inacim! Não vou deixar mais você vir pra casa da vovó!”. Débora, a mãe do Inacim: “O que é isso, Clarinha? A mamãe é avó dele também! Tá pensando que manda aqui, é?”. Ela: “Hum-hum. A vovó deixa eu mandar um pouco aqui também!”.

Um dia de faxineira, as mães saíram dos quartos no “ponto de rua”: “Mãe, vamos à Galeria do Ouvidor!”. Eu: “Vão levar as crianças?”. Lívia: “Nãããão! É rapidinho. Voltaremos para o almoço”. Entendi o trampo do dia. Espiei na geladeira o que havia para uma comida rápida, passei a mão na molecada e fomos pra pracinha, onde ficamos até umas onze e trinta.

Fiz o almoço com o Inácio (1 ano e 6 meses) zanzando pela cozinha, sinal de que estava “morto de fome”. O espaço era reduzido, pois a faxineira estava “faxinando” a sala... Pedi à Clarinha que distraísse Inácio entre a copa, o corredor e o quarto dele. Até que ela tentou, mas ele corria para a cozinha depois de jogar nela um pau de proteção da porta. “Vovó, Inacim tá me batendo”. Eu: “Se vira, Clarinha, não deixa... Você é bem maior que ele...”. Ela: “Mas, vovó, esse moleque é danadinho...”.

Dei uma dura nela: “Tem de me ajudar! Vá brincar com Inácio na copa e no quarto de vocês! Vovó está terminando de fazer o almoço...”. Ela: “Tá booom!”. E, quando ela diz “tá bom”, podemos confiar que está concordando e vai fazer. Eu a ouvia dizendo que ele não viria mais pra casa da vovó. E tascava: “Moleque saliente, vou te pegar de jeito!”.

De repente, calmaria. Ela entrou na cozinha, colocou uma mão na cintura e, com a outra balançando, falou: “Botei o moleque dentro do berço!” (Ela, com 4 anos, pesava 18 kg; Inácio, 1 ano e 6 meses, pesando 10 kg). Assustada, saí correndo pro quarto e lá estava Inácio todo sorridente pulando dentro do berço... Foi um alívio!.. “Clarinha, como colocou Inácio no berço?”.

Ela, de cócoras ao lado do berço, disse-me: “Assim... Peguei e fui empurrando, empurrando... e ele ‘tibungo’ dentro do berço!”. Olhei para Inácio todo pimpão e indaguei: “De cabeça, Clarinha?”. Ela, balançando a cabeça e fazendo beicinho sorridente, falou pausadamente: “De ca-be-ça, vovó!”. Caímos na risada... Inacim também!

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