FÁTIMA OLIVEIRA

O encanto das lamparinas de Nossa Senhora das Candeias

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 04 de fevereiro de 2014 | 03:00
 
 
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Vovó acendia uma lamparina de lata na porta da casa todo 2 de fevereiro, Dia de Nossa Senhora das Candeias. Por volta das “seis horinhas”, começava o espetáculo: candeias acesas nas portas das casas. E, de picardia, o Lequer, o doido oficial da cidade, deixava uma na porta da Igreja Batista, naquela época o único templo evangélico da cidade, até que um “protestante” aparecia e a retirava. A cena fazia parte da data!

As lamparinas iluminavam as ruas até o querosene acabar. Sem energia elétrica, imagine como era uma cena de rara beleza! Curiosa, eu indagava o significado das lamparinas acesas no Dia de Nossa Senhora das Candeias – a mesma Nossa Senhora da Candelária, Nossa Senhora da Luz, Nossa Senhora da Purificação, Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora da Boa Esperança e Nossa Senhora da Esperança. Só recebia como resposta que “Isso vem dos troncos velhos, menina perguntadeira! É pra iluminar os caminhos das pessoas que moram na casa”.

No capítulo II do Evangelho de Lucas há a narrativa de que, conforme a lei de Moisés, mulher parida era impura durante a quarentena e não podia frequentar o templo! Ao completar 40 dias após o parto, comparecia ao templo levando o seu sacrifício para a purificação: um cordeiro e duas pombas ou duas rolas. A data celebra a “apresentação do Menino Jesus no templo e a purificação de Nossa Senhora, 40 dias após o parto” (2 de fevereiro: 40 dias após o Natal). E as candeias acesas nas portas rememoram “o trajeto de Maria ao templo, com uma procissão, na qual acompanhantes levavam na mão velas acesas.”

Era uma noite em que quase todo mundo se sentava em cadeiras nas calçadas. Os adultos proseando e as crianças brincando de esconde-esconde ou de roda até mais tarde. A calçada de dona Maria do seu Braulino, meus avós, era um animado ponto de encontro desde o cair da tarde porque eles tinham o costume de ficar ali “pegando uma fresca.” O cafezinho após o jantar era servido na calçada. Albertina, a cozinheira, no Dia de Nossa Senhora das Candeias, além das duas habituais garrafas de café “para o povo da calçada”, fazia bolo frito (de tapioca) e orelha de macaco (de amido de arroz) para servir a quem chegasse... Era uma delícia de festa do catolicismo popular!
Quando nos mudamos para Imperatriz (MA), por volta de 1972, vovó não abriu mão de sua devoção enquanto deu conta do tempo. Acendia sempre, no 2 de fevereiro, sua lamparina na porta. Era a única, em toda a nossa rua! Apesar da luz elétrica, chamava a atenção. Meus avós não abandonaram o costume das cadeiras na calçada na “boquinha da noite”, então as pessoas paravam e indagavam o motivo da lamparina acesa. Eu e o pai velho explicávamos, porque vovó já era uma viciada nas novelas da TV e, mal acendia a candeia, entrava e ficava grudada na TV até ela dar boa-noite – sim, houve uma época no Brasil em que a TV dava o seu solene boa-noite! E ponto final.

Há uns 30 anos não vou a Graça Aranha (MA), e agora, enquanto escrevo, bate a pergunta: ainda acendem lamparinas no 2 de fevereiro ou tal celebração se perdeu no tempo? Sinto necessidade de saber... Até para fazer uma ponte com o que ocorre na data em outros lugares do Brasil que festejam no 2 de fevereiro Nossa Senhora dos Navegantes, que nas religiões de matriz africana é Iemanjá – ou Mãe D’Água, Rainha do Mar, dona Janaína – e seus rituais de água e oferendas. São exteriorizações populares de fé, de deferência ao sagrado, de beleza incomum.