Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

A Amazônia que eu vi

Publicado em: Qui, 22/08/19 - 03h00

Tempos atrás passei quase um mês na Amazônia, a trabalho, filmando um grande documentário. Nossa base estava montada em Alta Floresta, em Mato Grosso, reunindo produtores, cinegrafistas, pessoal de logística, pilotos, guias e toda a tralha necessária a uma tarefa desse porte.

O roteiro que redigi era extenso. O vídeo enfocava diversos aspectos daquela gigantesca e – ainda – desconhecida área brasileira: recursos naturais, projetos, cuidados com o meio ambiente, culturas regionais etc. Foi meu primeiro e importante contato com a beleza e também com os problemas e os desafios de lá.

Filmamos, por exemplo, uma imensa plantação de mamões próximo a Sinop, sendo que nenhuma só fruta iria para o supermercado. Ali, do “leite” dos mamões, extrai-se a papaína, insumo essencial nas indústrias farmacêutica e cosmética. Dono do empreendimento? Um grupo europeu. Outro projeto interessante foi o de seringueiras em grande escala; fonte do látex essencial na produção da borracha – sob a logomarca de uma famosa fábrica francesa de pneus.

Além desses, encontramos por lá empresas, grupos religiosos, instituições e ONGs norte-americanas, alemãs, norueguesas, francesas, suíças, italianas, canadenses. Por isso, além de roteirista, acabei atuando como intérprete improvisado, ajudando a equipe nos percalços da comunicação com os estrangeiros durante o período.

Um fato curioso – e que não deixou de ser divertido – envolveu um trecho do documentário sobre a cultura original daquela área. No roteiro estavam previstas filmagens numa tribo indígena já previamente combinadas com seus líderes. Nossa turma aboletou-se bem cedo em duas vans e seguiu floresta adentro, rumo à locação. Voltaram de noitinha, exaustos, frustrados e sem nenhuma imagem: não encontraram um só índio do sexo masculino na tal aldeia, só mulheres e crianças.

“Os homens estavam todos em Brasília, fazendo política”, contou-nos o diretor de cena, desolado.

Dias depois, o cacique responsável pelas tratativas chegou a Alta Floresta pilotando uma bela camionete 4x4 zerinho. Revelou-nos que a tribo ganhava um bom dinheiro vendendo mogno para um importador do Canadá. Pediu desculpas pelo imprevisto e sugeriu o impensável: “Tem um grupo folclórico, igualzinho a nós; pode fazer a cena dos índios pra vocês. Pintados, com cocar e tudo. Mas eles cobram cachê, tá?”.
Na última semana, fomos testemunhas indiretas de um fato que virou notícia no Brasil. Era véspera da Copa do Mundo. Um deputado muniu-se de bolas de futebol e camisetas da seleção e foi distribuí-las entre as crianças de um agrupamento indígena próximo; a meninada estava na maior torcida.

Lá chegando, deparou-se com membros de uma ONG bloqueando seu acesso. Uma mulher que se dizia antropóloga tentou proibi-lo de entregar os presentes: “Não atrapalhar vida de indiozinhos com porcaria de futebol!”, berrava, com forte sotaque.

“Mas são brasileiros como nós!”, devolvia o deputado, igualmente bravo, exibindo credenciais. 

O clima pesado só foi resolvido após muita negociação. Finalmente, os curumins puderam bater bola na poeira da taba, correndo felizes e gritando “gol”. Uma cena linda, gravada com a sensibilidade do nosso diretor.

Lembrei-me dessa breve experiência amazônica acompanhando as notícias recentes. De minha parte, atesto que vi coisas interessantes, esdrúxulas e outras até bem suspeitas. Assim, mantenho a visão de um observador cauteloso. Penso que ainda há muitos mal-entendidos, contradições, desinformações e polêmicas a serem examinadas com calma e imparcialidade.

Mas acho muito difícil. Virou briga, como tudo agora neste país.

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