Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

A pandemia da academia

Publicado em: Qui, 15/10/20 - 03h00
Muita gente continua agradecendo as lambanças dos chineses que resultaram no “tour” mundial do vírus. As ações dos laboratórios subiram feito foguetes em poucas semanas. Prefeitos, empresários, funcionários públicos e comparsas se aproveitaram do pânico e ganharam fortunas no superfaturamento de material hospitalar. Na categoria “revelação divina” Jane Fonda profetizou: “a Covid é um presente de Deus para a esquerda".
 
(Aprendam, incréus: Deus, justo e onipotente, agora tem preferências políticas. E o vírus, segundo a lógica brilhante da provecta atriz, somente contaminará os direitistas e os conservadores - essas pessoas feias, bobas e más). No entanto, o desenrolar da pandemia revelou outros discretos privilegiados que se consideram uma casta intocável, livres dos prejuízos e aborrecimentos dos pobres mortais.
 
Quem somos nós, gente comum exposta ao vírus que afetou a todos? Somos aqueles que não tiveram escolha senão encarar a rebordosa da luta diária: profissionais liberais, donos de pequenos negócios, autônomos, milhares de indivíduos que sustentaram as necessidades essenciais da população.
 
Somos padeiros, açougueiros, garçons, caixas de supermercado, balconistas, taxistas, policiais, cuidadores, enfermeiros, médicos, seguranças, faxineiros, socorristas, motoristas de ônibus. Somos os dentistas paramentados para a guerra e suando em bicas, curando aquela dor lancinante do seu molar que exigiu atendimento urgente. Somos os motoboys, entregando dia e noite lanches, marmitas, refri e cerveja aos felizes espectadores da Netflix nos sofás seguros.
 
Daí penso nos professores, tão importantes nas comunidades. Muitos que vivem do ensino particular – cursos de línguas, por exemplo - improvisaram no virtual, se viraram para sobreviverem. Porém, contratados das escolas públicas como também mestres e doutores cruzaram os braços e alertaram que só voltariam a trabalhar quando houvesse vacina.
 
Reitores de universidades imediatamente fecharam salas e abriram alas para o carnaval acadêmico fora de época. Ou seja: nota zero em “resistência” ao vírus.
 
Ué, por que só professores? Imaginem se os demais trabalhadores fizessem o mesmo?
 
- Pizza? Só quando tiver vacina. Resolve aí com um miojo, tá?
 
- Tenta com um extintor. Só apago incêndio quando chegar a vacina.
 
“Quando tiver vacina” remete ainda a um futuro vago, quase ficcional. E dá espaço para o surgimento de novas escapadas subsequentes, do tipo “ah, sim, prometemos voltar a dar aulas. Mas esta vacina não serve, tem de ser outra, sem viés capitalista, testada em etnias e grupos sociais variados com renda per capta similar à do Burundi e blábláblá...” Aguardem, portanto, outras digressões enfeitadas com firulas gramaticais.
 
O “quando tiver vacina” pode ocultar uma saída esperta e oportuna disfarçada de zelo e solidariedade, já que faz o estilo da intelectualidade alardear empatia e respeito às condições humanas. Isso é lindo e comovente quando você tem certeza de que seus honorários estarão depositados direitinho no fim do mês, esteja passeando no shopping ou militando no Facebook.
 
Para alguns, não importa muito a origem da grana que os sustenta no ócio; se ela vem do dinheiro do contribuinte ou do bolso dos que continuaram no batente expostos ao vírus. Já não seria a hora de retornar às aulas presenciais com os devidos cuidados, pelo menos em respeito aos que as pagam?
 
Surgem controvérsias nos inseguros e prolixos ditames da Organização Mundial da Saúde. Está provado que a taxa de mortalidade pelo vírus na faixa abaixo de 19 anos – a das crianças e dos universitários – é de apenas 0,0007%. Essa é a turma presa em casa, quebrando o galho nas aulas virtuais sabe Deus até quando. No fim do mês, boletos implacáveis do lado de cá e salários garantidos do lado de lá. Não é justo nem honesto.

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