FERNANDO FABBRINI

A poesia do que não pode ser

Não adianta tentar colar do colega ao lado, porque são questões diferentes para cada aluno

Por Da Redação
Publicado em 20 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
editoria de arte

Há um filme em cartaz que deveria vir acompanhado de alertas na bilheteria. Frases assim: “Se você é fã de comédias românticas, não entre”. Ou: “Se você pensa que a vida é cor-de-rosa com bolinhas douradas, passe direto.” Ou ainda: “Se você só quer vencer e se acha fodão e poderoso, nem pare”.

O filme é “A Vida em Si”, de Dan Fogelman, mais conhecido pelas animações infantis – assinou o roteiro de “Carros” e brincadeiras semelhantes. No elenco, entre outros, os talentos de Oscar Isaac, Annette Bening, Olivia Wilde, Antonio Banderas e Mandy Patinkin (o excelente “Saul” da série “Homeland”).

Para os menos atentos, será apenas um filme triste com final feliz – fórmula batida, explorada à exaustão. Porém, pela sua abordagem indireta – sutilíssima –, vale um mergulho mais fundo nas emoções que nos desperta.

Trata-se de personagens absolutamente banais, à primeira vista; pessoas vulneráveis, com esperanças, temores, alegrias. Até aí, nada de novo. Porém, é gente marcada pelas tragédias, cada qual à sua maneira. Neste ponto do texto devo me conter para não dar “spoiler”. Diria apenas que as dores vêm do cotidiano – como a morte de pessoas queridas e do cachorrinho companheiro, doenças, traumas, desamores. Enfim, sofrimentos idênticos àqueles pelos quais passamos e que talvez neste momento acometam nosso vizinho – que disfarça, fingindo estar tudo bem.

A vida é como uma prova escolar, só que muito mais difícil. Não adianta tentar colar do colega ao lado, porque são questões diferentes para cada aluno. É a dor exclusiva; a dor solitária ocultada nesse tempo em que muitos exibem a felicidade artificial dos comerciais de margarina.

No filme, nada parece dar certo para Will, Dylan, Abby, Javier ou Isabel. Estão à mercê do imponderável: planos desfeitos, perdas impensáveis, amores interrompidos, paixões abafadas por circunstâncias adversas. Quantos de nós já não vivemos situações parecidas?

É nesse cenário obscuro que o diretor dá seu toque de leveza. O recado principal é “somos parte de uma grande história”, como diz a frase final. Longe de qualquer pieguice, os dramas se entrelaçam por meio de fios costurados com arte, resultando em novas histórias. No fundo, o filme consegue uma rara proeza: fazer poesia com o que não pode ser, o que não deu certo, o que nos fez desistir.

Sob a forma de capítulos, são histórias ao longo de três gerações. Mas o diretor, curiosamente, não se preocupou em demarcar épocas com cenários ou figurinos diferentes. É tudo “hoje”, o tempo presente e imediato. Enfeitá-lo com adereços temporais não teria a menor importância; a gente vive mesmo é no “hoje”.

Dá muito o que pensar e sentir. Além do famoso livre arbítrio, das escolhas que fazemos, do “sim” e do “não”, do “ser” ou “não ser”, do lançar-se de corpo e alma nas emoções ou deixar que desvaneçam, existirá uma trama abstrata, secreta, sobre a qual não temos o menor controle?

Existindo ou não essa força estranha, ela faz parte das perguntas que lançamos ao infinito, sem respostas. E que servem, pelo menos, para tocar em frente, criando esperanças que nos resgatem: uma mudança de hábitos, uma viagem diferente, uma nova amizade, até mesmo uma nova crônica de jornal.

Narizes vermelhos e fungadas quando as luzes do cinema se acendem são sinais de que o diretor Dan Fogelman deu seu recado direitinho. E até com efeitos colaterais na plateia. Ao sair da sala, é provável sentirmos o fio invisível, solidário e amoroso que nos une aos demais espectadores – anônimos colegas dessa vida, personagens de um filme real. Para mim, essa conexão é apenas um vestígio de que devemos ser, sim, uma coisa só.

Aproveito para mandar meu abraço especial de Natal aos prezados leitores. E que o ano novo traga para todos nós renovações e esperanças.