FERNANDO FABBRINI

Admirável mundo chique

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2016 | 04:00
 
 
Hélvio

Elas estão sempre empilhadas nas recepções de consultórios, salões, cabeleireiros e congêneres. Às vezes, jogam uma aqui, na caixa do correio, no meio de folders de pizzarias, adesivos de motoboys e contas do mês. São as revistas de gente rica, famosa e feliz; pessoas especiais, muito diferentes de nós, pobres mortais relegados ao anonimato, às sombras e aos bastidores da vida.

Identificar uma revista dirigida ao seleto cume da pirâmide é mole. Se você folhear, com paciência, as páginas coloridas, impressas em papel couchê alto brilho, jamais encontrará uma foto sequer de gente triste ou de cara fechada. Pronto, taí a diferença: todos, sem exceção, estarão rindo. É a regra das revistas classe A. Repare: nas reportagens, entrevistados rindo. Nas colunas sociais, grupos rindo. Nos anúncios, gente rindo com direito a cachê. Nos escritórios chiquérrimos, nas academias, nas clínicas de estética, idem. Nos consultórios odontológicos, mesmo que no decorrer de um tratamento de canal, estarão rindo, felicíssimos. Até os cachorros – de raça – exibem mandíbulas sorridentes, abanando os rabinhos. Acho que jogam essas revistas aqui em casa só de sacanagem. O motivo é esfregar-me na cara um mundo que passa longe de um cidadão comum feito eu. Só faltava uma etiqueta: “Chupa, Fernando!”

Agora noto que revistas assim são preciosos manuais de instruções para realização pessoal e felicidade eternas – conselhos que eu vinha perdendo por descuido inadmissível. Cada reportagem é um alento contra os inexoráveis malefícios do deus Cronos, aquele chato da ampulheta e senhor supremo das rugas, das celulites, das flacidezes e dos cabelos brancos, levando na coleira seu temido pastor-alemão de nome Alzheimer. Cada página louva a supremacia da pele esticada, dos seios empinados, dos bíceps rígidos e da proteína botulínica.

Humilhado – porém atento à necessidade de expandir minha mente e provar as migalhas desse universo sedutor –, dediquei mais tempo à leitura. Nossa, que vergonha! Sou um cara totalmente por fora, vacilão, out, démodé. Digo isso porque achava legais exatamente aquelas pessoas que curtem a impermanência dos seres vivos neste planeta. E que trocam a ansiedade vaidosa pela aceitação bem-humorada da condição humana, rolando papos muito mais interessantes. Estava errado: graças a essas revistas, vou revendo meus anacronismos e aprendendo o contrário. A velhice, a decadência física e a finitude nos amedrontam? Relaxemos: basta fugirmos para uma ilha – uma ilha de sonhos, magnífica, bem distante das feiuras do mundo e de menininhos refugiados que venham estragar o dia de sol morrendo na praia.

Outra publicação dessas chiques me informa que os spas – centros de beleza e repouso – já são frequentados por crianças de 7, 8 anos. Preocupadas com a aparência, meninas dessas idades também já tiram cutículas, lixam e esmaltam as unhas semanalmente nos salões. E o bobão aqui nem fazia ideia. Leio que as maravilhas oferecidas pelos spas às crianças – banhos de rosas, cromoterapia, acupuntura, massagens e outras delícias – servem para reduzir o estresse. Medida sábia e prudente: posso imaginar o estresse pesado ao qual uma criança está sujeita na luta diária pela sobrevivência. As aulas massacrantes, com professores cruéis. As festas; as intensas atividades sociais aos fins de semana. As horas infindáveis no “uatizápe”, trocando impressões sobre os graves problemas da humanidade. Pior: um coleguinha pode chamá-la de “chata, feia e boba”, gerando traumas profundos! Quem suportaria isso sem um spa quinzenal? Ainda bem que existem oásis de prazer e repouso, onde gentis atendentes abrem as cortinas, aquecem os ofurôs e providenciam chuvas de pétalas deslumbrantes.

Já que nunca tive oportunidade de curtir um spa, invejei as atrações oferecidas em locais tão requintados, como banhos de lama pro corpo e fatias de pepino para os olhos. O banho de lama para crianças não me impressionou tanto. Aqui no bairro, nas ruas de terra que levavam até o alto do morro, havia lama de sobra. Nela rolávamos após a chuva, chapinhando nas enxurradas e voltando pra casa ensopados, imundos e felizes. No nosso modesto spa doméstico – chamado banheiro – lavar-se antes de dormir era obrigatório. Valia-nos a antiga banheira de ferro com palmo e meio de água aquecida no fogão de lenha e uma bucha comprida que arranhava nossas costas.

Os pepinos, entretanto, me deram água na boca. Calculo que só com a grana desses fatiados de luxo eu faria o sacolão pra um mês inteiro. Lembrei-me, de novo, dos tempos de criança. Também tínhamos pepino – assim como abóbora, inhame, tomate, batata e cebola da horta caseira. Só que eram para comer. E ai de quem torcesse o nariz para o prato! Ia dormir com fome e, se necessário, com a bunda ardendo.

Estressado, deprimido e sem spa à vista, fechei as revistas. Senti-me mal; havia algo revolvendo-me as entranhas. Provavelmente, excesso de pepino; vegetal sabidamente indigesto.