Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

Aquele que bate

Publicado em: Qui, 30/11/17 - 02h00

Passei a semana inteira cuidando do meu. Afinal, acabei de entrar naquela famosa faixa etária em que o trabalho já não dá tanto prazer e o prazer começa a dar trabalho, sobrecarregando nossos corações. Fiz um completo check-up, a pedido do cardiologista, já que na minha idade não convém descuidar. Estou seguro de que venho zelando com carinho por minhas bravas coronárias e sou grato a elas pelas tantas emoções e golpes que souberam absorver ao longo desta vida. Aproveitei as consultas para trocar ideias com os médicos e, modestamente, acrescentar novos pontos de vista sobre o tema tão atual.

Sei que, além dos agravantes clássicos – fumo, vida sedentária, obesidade –, os problemas do coração também são precipitados por outros fatores muito mais lesivos e dignos de atenção. A Síndrome do Apartamento Maior, por exemplo, é um perigo que ronda os casais na faixa dos 40 anos. Tudo andava bem na vida dos dois. Subitamente, a esposa foi tomada por uma inquietação inexplicável e começou a encontrar defeitos naquilo que era perfeito há uma semana. A copa é pequena; a vaga da garagem é estreita; a portaria tem granito verde; o vizinho torce pelo time adversário; e por aí vai.

O marido, vítima do contágio, implica também com a fachada démodé. Sem falar na pedra de ardósia fora de esquadro daquele cantinho do lado esquerdo do jardim da entrada. Pronto: antes que o médico da família possa tomar uma medida urgente, os pacientes assinam novo financiamento, pegam dinheiro com o cunhado rico para a entrada, vendem o carro e cancelam as férias. Em 30 dias garantem mais 30 anos de tensão e sobressaltos, pontilhados por noites de insônia no país imprevisível onde habitam. Outras variáveis dessa patologia são a Síndrome do Carro Importado Fantástico e a temida Síndrome da Piscina Maior que a do Meu Sócio.

O Mal do Nariz em Pé é outra doença grave e digna de nota. Os sintomas são facilmente diagnosticáveis, uma vez que o Mal acomete homens e mulheres após nomeações em cargos públicos ou aparições em revistas de famosos. Nas formas brandas, essa doença causa apenas efeitos colaterais: risadinhas e piadinhas em círculos próximos. Já nos quadros mais graves, o Mal do Nariz em Pé conduz a um quadro de obsessão pelo próprio umbigo, solidão profunda e posterior demência.

Como podemos ver, o coração tem muitos inimigos ocultos. Mas a natureza, sábia como é, dotou-nos de remédios eficazes e simples, sendo permitida a ampla automedicação. Tudo que você precisa é de outra pessoa. Pode ser sua mulher, um amigo, a namorada, o irmão, a colega do escritório. Ao avistá-la, aperte o passo e abra os braços, em forma de cruz. Relaxe os músculos faciais e sorria. Repare que a pessoa fará o mesmo. Comprima-a, então, contra o próprio peito, de forma que seu coração fique alinhado com o dela. Nesse instante, a cura se processa. Os dois corações, que andavam amargurados, reconhecerão um ao outro como nascidos da mesma origem e feitos da mesma matéria. Passarão a trocar milhões de impulsos benéficos: saudades, alegrias, desabafos, confidências. Repita o procedimento várias vezes durante a semana, com outras pessoas, sem restrições. É normal que os batimentos cardíacos de ambos se acelerem e permaneçam assim nos momentos subsequentes. Não é motivo de alarme: segundo os mais competentes especialistas no assunto, é um sinal seguro de que você está vivo.

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