Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

Bactérias a bordo

Publicado em: Qui, 23/11/17 - 02h00

Viva! Estão voltando as chuvas! Atrasadas, é verdade, mas parece que agora a coisa vai. O primeiro benefício delas diz respeito a minha saúde. Suspeito que, em outra encarnação, devo ter nascido pato ou marreco, tamanha avidez que continuo a nutrir pelo precioso líquido. Tempo quente e seco para mim é um inferno. Choveu, melhora tudo: respiração, sono, humor, disposição.

Na sequência, fico torcendo para que ventos providenciais, em conluio com El Niño, La Niña e demais entidades misteriosas da atmosfera, engordem as nuvens, empurrem-nas para as cabeceiras dos rios e que estes encham as represas. Assim, este governo incompetente (lembra de algum que prestou?) não terá desculpas para levantar a odiosa bandeirinha vermelha e enfiar a mão nos nossos bolsos.

As chuvas mais frequentes certamente vão atrapalhar as férias de fim de ano. Por precaução, andei olhando as previsões em sites de viagem. O Travelmath é um dos meus favoritos. Sempre navego por lá, compensando a falta de dinheiro e de tempo para navegar – de verdade – por Atlântico, Pacífico, Mediterrâneo ou Adriático.

Dessa vez, a notícia que me chamou atenção não estava ao nível do mar, porém lá no alto, onde cruzam, serenos, os Boeings e Airbus. Sem preconceitos de classe, o site fuçou as dependências da primeira, da executiva e da econômica, tarefa confiada a um time de microbiologistas, experts em sujidades. Foram visitados 26 grandes aeroportos do mundo e aeronaves de várias companhias aéreas. A turma de doutores encontrou clandestinas que circulam livremente pelas três categorias, sem gastar um dólar e desfrutando de tudo: as bactérias. Essas temíveis companheiras de viagem estão hoje definitivamente instaladas nos ambientes das aeronaves, aparentemente limpinhos e cheirosos. Na pesquisa foram listados os seis lugares mais sujos do avião.

Em primeiríssimo lugar estão as mesinhas dobráveis a sua frente. Nelas foram encontradas nada menos de 2.155 UFCs (Unidades de Formação de Colônias), indicador empregado pela microbiologia para calcular o número potencial de bactérias ou fungos. Dali para o nosso organismo é só um pulinho. Portanto, por mais faminto que você esteja, se cair uma migalha de barrinha de cereal sobre a mesinha, despiste e empurre pra lá.

Em segundo lugar está o botão do lavatório da pia do banheiro; aquela torneirinha metálica que apertamos para desfrutar de um mísero esguicho de água por alguns segundos. Nela residem, em média, 1.240 UFCs. O terceiro lugar fica logo acima de suas poltronas – o botão que regula o ventinho privativo que sopra sobre nós, quando tentamos reduzir o perfume enjoativo da passageira ao lado. Surpreendentemente, o quarto lugar em sujeira fica no banheiro, exatamente no botão da descarga. Ali, os microbiologistas encontraram apenas 265 unidades. Pensei que houvesse mais. A fivela e o tecido plástico do cinto de segurança, manuseados muitas vezes durante o voo e as turbulências, vêm logo após, com 230.

O levantamento se encerra com um item inacreditável pela sua posição: o puxador da porta dobrável dos WCs, com apenas 70 UFCs. Os estudiosos atribuíram esse baixo ranking ao fato de que os banheiros dos aviões são limpos com maior frequência pelo pessoal da manutenção nas escalas e nas pernoites, usando desinfetantes e bactericidas com mais capricho.

Viajar de avião já foi bem melhor. Tirando as altas e espaçosas classes, coisas de ricos, resta-nos a cada vez mais espremida classe econômica, planejada hoje para acomodar gnomos, pigmeus e anões de Liliput. Depois dessa pesquisa, dá vontade de embarcar com um vasto sortimento de saponáceos, tira-manchas e vidrinhos de álcool, mas seríamos barrados pela segurança como prováveis terroristas químicos.

Sorte nossa é que nascemos e crescemos no Brasil. As tais bactérias aéreas que mandariam pra cama um sueco ou um norueguês logo após o desembarque são, na maioria dos casos, tranquilamente abatidas em voo pelo nosso sistema imunológico tupiniquim.

Entretanto, nada de excesso de confiança. Lá no céu, os bichinhos devem promover bacanais biológicos fantásticos. E prosseguem dando vida a espécies mutantes, boas de briga, escoladas, doidas para se hospedarem num passageiro incauto. Mais uma razão para segurar a medalhinha de São Cristóvão, protetor dos viajantes, e rezar um pai-nosso já no balcão de check-in.

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