FERNANDO FABBRINI

Chutes no traseiro

Como era de se esperar, vez ou outra levávamos um chute no traseiro e éramos trocados por algum sujeito mais interessante, talvez dono de um Simca Chambord ou de um Karmann Ghia vermelho

Por Da Redação
Publicado em 17 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
Hélvio

Ando espantado com a crescente incapacidade dessa geração de lidar com os revezes banais da vida. Obcecada pela ideia de que deve “ganhar” sempre, a garotada é massacrada pela ilusão importada dos winners ou loosers, personagens de uma grande mentira que o cinema e a TV ajudam a difundir. As torcidas de futebol – que comemoram a derrota do adversário mais do que a própria vitória – retratam perfeitamente essa insanidade coletiva. Desconfio que outras mazelas contemporâneas – como a violência, as drogas ou o egoísmo exacerbados – nasçam todos dos ovos desse monstro que ocupou as vísceras da humanidade, feito um Alien.

Recordo que minha geração aceitou as perdas com a dor inevitável, porém com mais charme e esportiva, digamos assim. Decepções amorosas, por exemplo. Vivíamos apaixonados por aquelas lindas moças de minissaia e coques banana. Como era de se esperar, vez ou outra levávamos um chute no traseiro e éramos trocados por algum sujeito mais interessante, talvez dono de um Simca Chambord ou de um Karmann Ghia vermelho. Puxando pela memória, não me recordo de nenhum caso de agressão à moça por parte do abandonado. Crime passional era raro, escandaloso e sempre cometido por gente grande. Hoje é banal.

Conosco era assim: levou um fora? Então, aguente: engula a sua dor e transforme-a em música, poesia, desabafos, qualquer besteira balsâmica. Pegávamos um violão, uma garrafa de uísque Mansion House (Argh!) e destilávamos o nosso amargor numa roda solidária. (Um amigo levou um fora da garota pela qual era apaixonado. Ligou para a casa dela e, logo que atenderam o telefone, disparou declarações de amor ininterruptas, sem direito à resposta do outro lado. Deu certo? Não: meio bêbado, tinha errado o número por um algarismo. Ligara, sem saber, para a sacristia da igreja de Santana, aqui na Serra).

Hoje, a coisa ficou feia. O rapazinho rejeitado vinga-se de modo assustador, de forma pública e diabólica, postando fotos íntimas, detonando a ex no Facebook – quando não parte para a agressão física, engrossando a triste lista das páginas policiais. A cada dia aparecem mais casos de homens que mataram suas mulheres “por não aceitarem o fim do relacionamento”. Não aguento mais ouvir isso.

Li a excelente entrevista do psicanalista belga Jean-Pierre Lebrun, estudioso das relações atuais entre pais e filhos. Diz ele: “É preciso ensinar nossos filhos a perder. Quando os pais, a família e a sociedade dizem o tempo todo que é preciso conseguir, conseguir, conseguir, massacram os filhos. É inescapável errar. Aprender a lidar com o fracasso evita que ele se torne algo destrutivo. Lebrun continua: “Há séculos que as drogas têm algo de paraíso artificial, como diz Baudelaire. Ou seja, uma forma de se refugiar da dor humana, da insatisfação. As drogas sempre serviram para evitar o confronto com o sofrimento. Quanto menos você está preparado a suportar as dificuldades, mais está inclinado a se evadir para limitar o sofrimento”.

A TV mostrou um grupo de alunos do ensino médio destruindo carteiras, armários e janelas de uma escola porque “a diretora era muito rígida”. Pobres ingênuos: nem fazem ideia de que não apenas a diretora, como também a vida inteira que os espera será muitas vezes rígida, decepcionante e até hostil. Felicidade é uma palavra perigosamente parecida como facilidade. A vida é uma sucessão de adversidades, obstáculos, bolas na trave. Aí, de vez em quando - muito de vez em quando mesmo - marcamos um golzinho e corremos para o abraço.

Não é mole. Grande parte dessa moçada está amarelando diante da luta diária, preferindo o enganoso caminho sempre florido e desimpedido, com o suspeitíssimo apoio de seus pais - que oferecem o colinho seguro toda vez que a vida fica difícil. Colinho perigoso esse, viu.