Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

D de dúvida

Publicado em: Qui, 22/02/18 - 03h00

Aconteceu há alguns anos. A doutora correu os olhos por meus exames com a calma peculiar dos médicos; fez anotações revendo uma e outra folha do calhamaço. Deu um sorriso e passou-me o veredito:

– Seus exames estão ótimos, só uma coisinha...

“Coisinha” é aquela coisa imensa e assustadora que, dita por um médico, deixa a gente logo de orelha em pé. Ela sorriu de novo:

– Sua vitamina D está meio baixa. Vamos melhorar isso... Você toma sol? Usa filtro solar?

– Sim para a primeira e não para segunda – respondi.

Poderia relatar a ela meu pavor por filtros solares, cremes, pomadas, unguentos ou qualquer meleca pegajosa em contato com minha pele. Argh! Tenho uma gastura antológica e inexplicável. Por outro lado, eu acabara de chegar de uma temporada de meses numa cidade nordestina, a trabalho. Morava à beira-mar e não dispensava mergulhos diários e caminhadas matinais na praia, sob aquele sol costumeiro. Sem filtro solar, claro; só de short e boné. Ela continuou:

– Está acontecendo no mundo inteiro. As pessoas andam com uma carência de vitamina D. Um fenômeno do nosso tempo, só pode ser...

A doutora prescreveu-me uma caixa de vitaminas que tomei, sem maiores preocupações. Nas semanas seguintes – coincidência! – vários amigos e parentes revelaram também estarem de “taxa baixa” de vitamina D. Que gozado, pensei. Todo mundo? Inclusive eu, apesar da praia durante tantos meses?

Motivado pela dose habitual de hipocondria familiar, cismei com o assunto. Andei pesquisando na internet; perguntei aqui e ali, revirei Wikipédia e Wikileaks; acabei por deixar de lado, bobagem. Esqueci-me do caso da vitamina D. Mas só até semana passada.

Recebi pelo WatsApp uma mensagem em áudio gravada por uma suposta médica baiana. Falando com alguma propriedade e segurança – pelo menos aos ouvidos de um modesto paciente como eu – a médica faz uma denúncia intrigante. Sem rodeios, ela afirma que a baixa carência mundial de vitamina D é um embuste; uma trama comercial; uma jogada de marketing de laboratório para vender mais. Em suas palavras, a coisa se explica assim: nos EUA, andaram mexendo nas referências oficiais, nos parâmetros anteriores da vitamina D. E, de repente, todo mundo ficou abaixo da linha “normal”.

Ela faz referência a pesquisas apuradas no “The New England Journal of Medicine” e, como exemplo, cita uma hipótese que transcrevo: “imaginem se mexessem na taxa de hemoglobina e dissessem que o normal seria, digamos, 18. Lógico que todo mundo, após exame de sangue, passaria de imediato à condição de anêmico”. E completa, alertando que o excesso de vitamina D – segundo ela, sempre segundo ela – favoreceria a calcificação de articulações e artérias. Vixe!

Compartilhei a mensagem com amigos e parentes – alguns deles competentes, sérios e dedicados médicos – solicitando seus abalizados comentários. Todos afirmaram ser apenas mais uma das bobagens que circulam pelo mundo digital; para eles, trata-se de uma legítima fake news.

Minha hipocondria eventual não se deu por satisfeita. Excluída a hipótese da médica baiana, comecei a matutar. Ora: quem sabe a carência generalizada é mesmo real? E não teríamos aí alguma condição ambiental nova, causando uma “queima” excessiva do referido micronutriente por nosso corpo e, assim, exigindo reposições frequentes?

Seriam, porventura, efeitos de radiações de telas de computadores, diante das quais o mundo inteiro passou a trabalhar? Ou consequências invisíveis de ondas magnéticas disfarçadas de Wi-Fi, bombardeando dia e noite nosso organismo nas grandes cidades? Ou celulares perniciosos, na esteira de suspeitas de alguns neurados como eu? (Quando surgiram os primeiros telefones celulares, inventei uma piadinha de humor negro: “Esse troço se chama celular? Quer dizer que mexe com as células da gente?” Fecho parênteses).

Tudo isso – celular, Wi-Fi, antenas, monitores – é muito novo em termos de humanidade. Não temos segurança absoluta do efeito dos novos aparatos e suas emissões sobre nosso organismo. Desconfio que acumulamos doses ínfimas recebidas diariamente, sem saber no que vai dar. O tempo dirá.

Aos que torcerem o nariz para minha teoria da conspiração e derem risadinhas, lembro que há menos de 50 anos o cigarro era uma coisa elegante, charmosa e que – ora bolas! – não fazia mal a ninguém, né?

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.