Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

Entrevista-interrogatório

Publicado em: Qui, 13/05/21 - 03h00

Percebi a primeira amostra do fenômeno televisivo há alguns anos. A jornalista especializada em economia entrevistava certa autoridade da área financeira do país. “Entrevistava” é modo de dizer. Desde o início do diálogo – mais próximo de um monólogo – a repórter empurrava ansiosamente seus pontos de vista, nitidamente buscando colocar o entrevistado numa saia-justa semelhante à pretinha básica que ela usava. Quando, por fim, passou a palavra ao economista, ele não perdoou:

- Desculpe, mas o entrevistado aqui sou eu ou é a senhora?

Trata-se de um estilo que vem ganhando adeptos sobretudo entre os jornalistas mais jovens da TV, embalados pela corrente de má vontade, preconceito e indignação seletiva diante do atual cenário nacional e decisões do governo. Só um telespectador muito ingênuo ou desatento não percebe a condução coercitiva e tendenciosa que norteia boa parte do jornalismo atual.

Daí, a coisa caiu no gosto do povo e começou a virar piada. Circulam diariamente nas redes trechos de reportagens onde um inquisidor acaba vítima de sua própria arrogância, recebendo uma bordoada inesperada do entrevistado. Uma dessas cenas da semana envolveu o silêncio eloquente e inesquecível do jornalista Alexandre Garcia diante de um “âncora intimidador” – modalidade em franca expansão.

A impressão é a de que o convidado de hoje seja levado a se postar diante das câmeras e microfones com a obrigação pré-estabelecida de aprovar sempre as narrativas da moda e a chatice do politicamente correto. Isso engrossa a massa que não admite o menor vestígio do contraditório - fórmula perfeita para a idiotice generalizada. A TV já foi mais inteligente e acrescentava alguma coisa (ainda que por descuido) à nossa cultura e informação.

Um renomado médico paulista protagonizou cena semelhante, dia desses. O assunto colocado pela entrevistadora – para variar – referia-se à aplicação ou não das drogas para tratamento da Covid. Ai, ai, ai! Aquele lengalenga: “o senhor daria cloroquina a um paciente?” – insistia ela, repetia, incansável, ameaçadora. “E os efeitos colaterais?” – quase berrou, erguendo as sobrancelhas, prestes a voar ao pescoço do médico. Calmamente, o entrevistado ponderou que até o mais banal analgésico comprado na farmácia da esquina tem efeitos colaterais. E que ele – sim, senhora! – como responsável pelo paciente, receitava a cloroquina, a ivermectina e sei lá mais o quê, apoiado em conhecimentos e experiências médicas de décadas, avaliando benefícios e riscos de cada caso. Tomou?

É sabido que um dos truques mais batidos de reportagem consiste em fazer a pergunta capciosa, geralmente uma frase pronta, direcionando a resposta do cidadão incauto que transita pelo logradouro público. Tentaram algo parecido com o embaixador dos EUA no Brasil, Mr. Todd Chapman, que conversava ao vivo com o repórter de uma grande emissora do país.

- O senhor não acha que a imagem do Brasil está muito criticada e prejudicada no exterior, em função das atitudes do governo federal, por causa de... blá-blá-blá... – o mesmo discurso de sempre.

Mr. Chapman, com a elegância adquirida nas chancelarias internacionais foi irônico e direto:

- Sua pergunta, caro repórter, parece mais refletir sua própria ideologia. E críticas a governos e países sempre existiram, são comuns numa democracia...

Claro, mister; a gente sabe. Engraçado é ver que aqueles que mais temiam uma “ditadura” são os entusiastas mais ferrenhos dessa nova tirania. Enquanto não aprenderem sobre a diversidade de opiniões e a multiplicidade dos pontos de vista, teremos vexames e constrangimentos como as melhores atrações do horário nobre.  

                                                              

 

 

  

 

 

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