Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

Fecha o zoom

Publicado em: Qui, 07/02/19 - 02h00

Todo mundo sabe o que é o zoom, aquele recurso das câmeras de aproximar a imagem, permitindo closes. Mas não sei se todo mundo anda reparando numa das formas de uso cada vez mais frequentes do dispositivo ótico. Parece que há, no manual do jornalismo televisivo, uma norma assim estipulada pela alta direção da emissora:

“Artigo 1º, parágrafo único: Estando a equipe de jornalismo envolvida na cobertura de um evento catastrófico de qualquer natureza (desabamentos, enchentes, seca nordestina e similares), deverá o cinegrafista ficar atento ao menor sinal de emoção, constrangimento grave e, principalmente, lágrimas nos olhos do(s) entrevistado(s), fechando imediatamente o zoom de forma a exibir os sinais faciais de dor, desespero ou angústia extremada. Caso o(s) entrevistado(s) mantenha(m)-se equilibrado(s) e sereno(s) nas respostas, deverá o repórter provocá-lo com perguntas íntimas (ex: ‘Como ficará agora o quartinho de seu filho?’. Ou ‘Quantos anos você levou para construir sua casa?’. Ou ‘O que será de sua vida daqui pra frente?) até que as esperadas lágrimas brotem da face do indivíduo, permitindo, então, o uso do referido zoom. Resumindo: chorou? Fecha o zoom, rápido!”.

Mais uma vez, tal norma teve grande aplicação nas coberturas das emissoras de TV durante a tragédia de Brumadinho. É claro que se trata de uma recomendação da chefia, digamos assim. Não é espontâneo, não é jornalismo, não é a realidade – é apenas mais um recurso repugnante.

Na minha modesta opinião de telespectador eventual de telejornais, acho isso uma tremenda sacanagem, um abuso desrespeitoso da dor alheia, uma invasão da alma de gente sofrida com a lente inescrupulosa de quem a manipula. É ainda um dos sinais da baixaria da TV brasileira, sutil, mas sintomático. A chamada “TV aberta” continua se esbaldando no sensacionalismo barato, nas novelas idênticas em cenários similares; na violência quase reverenciada; nos enredos medíocres, na pornografia que se esconde sob aparência requintada; nos BBBs da vida. E assim rasteja a humanidade.

Também ando bastante incomodado com aquelas reconstituições virtuais de crimes. São bonecos muito bem-moldados digitalmente, com armas na mão, disparando pistolas e escopetas, enquanto o locutor, em off, vai fazendo a narrativa dos horrores como se descrevesse um inocente piquenique de freiras. Me digam aí, senhores da TV, qual é a necessidade disso para a evolução cultural do grande público assentado no sofá? Num ambiente forense, vá lá; pode ser valioso no esclarecimento de detalhes do tal crime. Mas para nós? Gato escaldado em horas e horas de ilhas de edição, imagino o diretor de cena, ao lado do operador de animação, montando a reconstituição e ajustando a coisa como melhor lhe parece:

– Ponha mais sangue ali no canto, o rapaz foi baleado cinco vezes...

– Deixo ele caído de bruços ou de peito para cima?

– Deixa eu ver... De peito para cima, assim dá pra ver o buraco das balas...

– A cara do bandido está muito boazinha... Ponha ele mais bravo... De máscara...

Enquanto isso, ao vivo, as repórteres vão engrossando o rol das perguntas cretinas. Diante da casa em ruínas do pobre coitado, vítima de um desmoronamento no alto da favela ou das recentes tragédias que assistimos consternados, as enviadas costumam perguntar ao homem:

– O senhor ficou muito triste? O que vai fazer agora?

Dá vontade de fazer um media training com vitimados Brasil afora, ensinando-os a responder na bucha perguntas idiotas, tipo assim:

– Triste, eu? Imagine! Claro que não! Tenho outra casa à beira-mar, em Búzios, belíssima e luxuosa, com um iate ancorado no píer privativo. Então, vou ficar no deque tomando sol e bebendo uísque até resolverem esse negócio... Vê lá se vou me preocupar com uma coisinha dessas!

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