FERNANDO FABBRINI

Matem os porcos de fome

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 26 de outubro de 2017 | 03:00
 
 
Hélvio

Dia desses eu filosofava sobre certas peculiaridades negativas de nossa raça tupiniquim. A que mais me chama atenção é a incapacidade de grande parte dos brasileiros de seguir regras, de conviver com o não, com o limite. O assunto não é novo e é digno de estudos infindáveis por parte de especialistas em comportamento – e não por um modesto cronista como eu.

O brasileiro com vocação transgressora desde o berço tem a sua disposição um vasto repertório de modalidades mal-educadas em níveis variados. Algumas permanecem inacreditáveis, como guiar bêbado, usar cerol, soltar balões, estourar foguetes junto a hospitais quando seu time ganha etc. Outras são banais, como a clássica furada de fila ou estacionar na saídas das garagens – “só um minutinho”.

A prova de que a solução ainda está longe aparece nos dizeres de uma placa encontrável em qualquer canto da cidade, nas calçadas, na fachada das lojas ou nos muros de casas do bairro. Está escrito: “Proibido Estacionar – Favor Não Insistir”. Quem nunca viu uma destas? O que acho curioso na referida plaquinha é a certeza de que o aviso principal – “proibido estacionar” – será completamente ignorado em primeira instância. Logo, é necessário adicionar um complemento – “favor não insistir” –, já prevendo que o motorista, caso flagrado, iniciará de imediato um meloso colóquio, apelando para a generosidade e a decantada cordialidade dos nacionais.

Quando os EUA entraram na guerra do Vietnã, grande parte da população foi contra a loucura do presidente Johnson e saiu às ruas protestando. Os jovens, exatamente aqueles que iriam sentir na pele os horrores do campo de batalha, fizeram melhor: queimaram em público seus cartões de alistamento obrigatório. Radicalizaram, fincaram pé e disseram: “Não vamos!”. Como Gandhi, Martin Luther King e os Panteras Negras, eles botaram em prática a chamada desobediência civil, ferramenta bastante eficaz em momentos decisivos da história de várias nações.

E nós, brasileiros? Seríamos, por tradição, uma raça preguiçosa frente aos descalabros que nos assolam? Estaremos a anos-luz de uma participação política de verdade, contentando-nos com a cervejinha do fim de semana, a posição do time na tabela do Brasileirão e a nova novela da TV?

A regra geral é que reclamamos com os amigos, falamos mal do governo nas rodinhas do bar, indignamo-nos por alguns segundos – mas fica nisso. Foram-se os bons protestos que tomaram as ruas há alguns anos.

A partir dessa constatação, ando imaginando uma estratégia. Que tal aproveitar a vocação natural do brasileiro para desobedecer às leis – sinal vermelho, parada proibida, fumar em local privado, guiar bêbado, usar celular em cinema – e dirigi-la para fins mais úteis, pragmáticos e até revolucionários?

Existem certas verdades que são universais, irretocáveis, imunes ao tempo, ao espaço e à localização geográfica. Uma delas é aquela que define o bolso como o ponto mais vulnerável do ser humano. Infelizmente é assim – aqui ou na Groenlândia. Para nossa sorte, o bolso do poder também é seu ponto fraco. Portanto, transgressores: uni-vos!

Que tal uma grande campanha de desobediência civil, atacando a farta ração do porco oficial? É de lá que saem as verbas lícitas – mas também as ilícitas, os mensalões, os petrolões e as demais corrupções. Com esse dinheiro todo na mão, qualquer poderoso faz o que quiser – incluindo, claro, a compra de apoios escabrosos.

O governo já nos arranca uma fortuna indiretamente nas compras que fazemos. Então, tá: se todos nós – transgressores conscientes ou diletantes – resolvêssemos fechar a entrada do dinheiro, complicaria a saída! De que forma? Ah! Criativos como somos na desobediência informal, descobriríamos logo várias maneiras de impor um regime de fome ao porco.

A partir de uma grande mobilização nacional, não pagaríamos mais impostos até que o governo – enfim faminto, porém domado – resolvesse trabalhar direito por nós, pela nação, pelo futuro.

É só um sonho, que pena. Continuaremos contentando-nos com as pequenas transgressões amadoras, com a cervejinha do fim de semana, o enredo da novela, a posição do time na tabela do Brasileirão – enquanto o porco engorda, feliz e impune, e faz o que bem entende nos chiqueiros oficiais.