Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

Planeta Dinamarca (parte 1)

Publicado em: Qui, 29/11/18 - 02h00

A primeira sensação é a que permanece até o final da viagem: a gente pousou em outro planeta. Pra começar, o diabo daquela língua. Eu, metido a besta por me virar bem em alguns idiomas, recolhi-me à insignificância após tentar decifrar – sem sucesso – avisos básicos de aeroporto e cardápios de lanchonetes. Sem falar na sonoridade inexplicável da língua. Só aquele “o” cortado ao meio pode ser pronunciado de várias maneiras.

Fui salvo na chegada pelos abraços e beijos carinhosos de minha filha e de meu genro, novos habitantes do planeta Dinamarca. Os dois já leem, falam, traduzem e – valei-me, Odin! – conseguem pronunciar um “o” cortado ao meio diferente de outro.

Tomamos um trem – novo, limpo, rápido, pontualíssimo – para chegar a Kokkedal, cidadezinha onde moram. Entre a estação e o condomínio existe uma pequena floresta de plátanos, freixos, carvalhos e outras árvores, nesta época do ano exibindo os múltiplos tons dourados do outono. O universo vegetal exuberante faz-nos imaginar a Dinamarca como uma gigantesca floresta. Como os dinamarqueses precisam morar, foram obrigados a construir algumas casas aqui e ali, no meio das árvores – mas com todo o cuidado. Captaram o sentido da coisa?

Pela janela do trem, a paisagem verde está salpicada de gramados inconfundíveis com traves e redes, onde meninos lourinhos treinam sob qualquer temperatura. Adoram futebol, e tudo indica que o país começa a gostar do jogo. Não subestimemos essa turma: sem tradição nenhuma, terminou a Copa em 11° lugar, à frente de times poderosos.

Em cada canto vemos o respeito soberano pelo meio ambiente. O monitoramento da qualidade da água é realizado até nos pequenos córregos que passam atrás do condomínio onde fiquei. Marrecos, patos, gansos e cisnes estão por ali, solenes, compondo a paisagem como num quadro.

Lixo? Nenhum. Tudo é reciclável e reciclado. As garrafas PET e latas de cerveja são consideradas apenas embalagens. “Ora: e daí? Aqui também são só ‘embalagens’, não?” – perguntaria o leitor. Acontece que naquele país os cidadãos acham que não é justo pagarem pelo plástico ou pelo alumínio; é problema de quem os fabricou. Então, basta ajuntar seus PETs e latinhas e dirigir-se ao supermercado mais próximo. Nele haverá uma estação de reciclagem, tipo caixa automático. Um feixe de raios lê os rótulos; em minutos sai o recibo com o montante de coroas dinamarquesas para abater na sua compra. Ou você aperta um botão e pede o valor em dinheiro mesmo. Ou, ainda, aperta outra tecla e doa tudo para o Médicos Sem Fronteiras.

A Dinamarca tem seu foco na geração de energia alternativa e limpa. Na vanguarda do assunto, rebocam o resto do mundo no aproveitamento eólico, com turbinas pra todo lado, inclusive em alto-mar – Meu genro está lá por essa razão; faz seu mestrado na Danmarks Tekniske Universitet (DTU).

Energia é tudo. Se for resíduo orgânico, há usinas de biogás. Se não for, queimam o lixo e geram energia também. Aí surgiu um pequeno efeito colateral: como “lixo” vale muito e ninguém joga lixo fora (quem diria escrever isso um dia), às vezes falta para as usinas. Então, eles importam mensalmente milhares de toneladas de lixo dos países vizinhos. Isso é saber queimar dinheiro público com responsabilidade – e não com corrupção. A propósito: um deputado de lá ganha o equivalente ao que ganha um pequeno empresário.

Lembrando-me de meus tempos de TV, impossível não me encantar com os canais infantis da Dinamarca. Durante o dia, a farra costumeira: personagens engraçados, bichinhos, música, rapaziada conduzindo programas ótimos. Aí, chega a noite. Lá pelas nove, os canais começam a exibir os mesmos personagens e bichinhos... indo para suas camas. Ajeitam-se, coçam os traseiros, apagam as luzes do cenário, roncam docemente. E assim hipnotizam a meninada-telespectadora pra também ir dormir – e deixar seus pais assistirem ao noticiário ou conversarem em paz.

Semana que vem conto mais casos desse planeta diferente que visitei.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.