FERNANDO FABBRINI

Postou e apagou

Paulo Coelho propôs boicote aos produtos brasileiros

Por Da Redação
Publicado em 17 de setembro de 2020 | 03:00
 
 

Talvez deprimido com o céu cinza do outono europeu que se aproxima e a solidão brochante da terceira idade, o guru literato Paulo Coelho – conhecido outrora como “o mago” – acaba de criar mais um feitiço singular. Já que a moda nos círculos intelectualizados estrangeiros é descer o cacete no Brasil sob qualquer desculpa, o Coelho aproveita-se da onda, faz média com editores e o público de lá pedindo “boicote aos produtos brasileiros”.

Tuitou e apagou correndo. Mas dona Print Screen, implacável, já havia registrado a asneira para a posteridade. Postar e arrepender, postar e em seguida se esconder ou bloquear para não ter resposta virou moda na internet. Mas sempre é mole identificar o autor – seja uma celebridade ou uma pessoa qualquer.

Uma olhada na carreira literária desse condutor de almas sedentas de revelações místicas dá-nos a dimensão exata de sua esperteza no manejo do marketing pessoal. Suas obras vêm recebendo frequentes denúncias de plágio deslavado – como no caso de “O Alquimista”, um ardiloso ctrl+c /ctrl+v da lenda The Pedlar of Swaffham, historinha manjada, de domínio público de Norfolk, Inglaterra. Numa entrevista, Gloria Hurtado, prestigiada psicóloga colombiana e uma das colunistas mais lidas do jornal 'El País', acusou-o também de copiar seus trabalhos, maquiando-os para despistar. Resumindo: na minha opinião, o talento do Coelho resumiu-se em tirar da cartola baboseiras, ideias alheias e pretensos mergulhos metafísicos; bater com a varinha de condão e transformar tudo em sucesso. Porém, deixemos para lá o passado e vamos à tolice recente.

O fato é que um boicote assim chega a ser hilário, não fosse ridículo. No máximo, vai sensibilizar uma dúzia de jornalistas internacionais (aqueles que creem ser Buenos Aires a capital do nosso país) ávidos por uma mísera coluna na mídia escandalosa mundial. Além desses, um grupo remanescente de jovens discípulos do Supremo Coelho Mestre farão perguntas no supermercado para saber se mamões ou abacates da prateleira são originados das florestas flamejantes tupiniquins onde girafas incandescentes correm desesperadas. Aí, não compram nada com o selo verde-amarelo – e dão pulinhos de alegria ao antever o desastre fenomenal que causarão à agricultura brasileira, promovendo a derrocada da economia e a imediata queda do atual governo. Pobre Brasil!

Pelo que me consta, o escritor jamais propôs algum boicote a outras classes de produtores ou mercadorias vegetais similares que circulam na calada da noite, atravessam terras, mares e ares sul-americanos em rotas clandestinas e movimentam bilhões sem qualquer controle, benefício social ou ambiental. Daí a gente se pergunta, intrigado: quais serão os princípios, hábitos e critérios sobre os quais o Coelho se baseia para aspergir diatribes do alto dos picos gelados?

Mesmo assim, vale um exercício de imaginação, a musa inspiradora dos ficcionistas. Caso o boicote do Coelho-que-Escreve alcançasse proporções assustadoras, de qual maneira desabaria o castelo de cartas econômico da nação? Privadas das exportações dos citados mamões, abacates, cocos, melancias, melões, tangerinas, graviolas e carambolas brasileiras, as empresas do setor demitiriam milhares. Ó céus! O desemprego seria colossal. A fome rondaria os lares. Panelas seriam batidas à noite enquanto o presidente discursasse. Passeatas, discursos, buzinaços e a intervenção da Suprema Corte poriam fim ao mandato.

Só uma coisa: naturalmente, entre os prejudicados no Brasil estariam também inúmeros leitores do Paulo Coelho – aqueles que fizeram-no milionário e proprietário de mansões cercadas de seguranças e cães dobermann. Na miséria, restaria a esses fãs tentar vender exemplares usados de “O Diário de um Mago” no sebo e descolar uma grana para a feira, aproveitando os mamões e abacates encalhados pelo boicote. Em seguida, com os boletos vencidos na mão, certamente irão se assentar à beira de um rio e chorar copiosamente