FERNANDO FABBRINI

Seja também milionário

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 19 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
Hélvio

“Queria dedicar-te esta canção/ Mas a vida é ilusão/ Vou tomar todas/ Uísque, cachaça e cerveja/ Até que você veja/ Como me maltrata/ Perdi o seu amor/ Ó, por favor!/ Você me traiu/ Pra mim mentiu/ Foi com ele pro motel/ Que dor cruel/ Só quer saber do outro/ E por mais que eu chore/ Ele tem muito gado/ Mil cabeças de nelore/ Te fez a cabeça/ Com luxo e riqueza/ Me restou a tristeza/ Vou-me embora pra cidade/ Pra curar sua maldade/ Bebendo até de madrugada/ Sofrendo na balada/ Agora é só beber, beber/ E pra sempre te esquecer!/ (Bis) Beber, beber, beber/ E pra sempre te esquecer!”

Gostaram dos versos? Que bom, muito obrigado. São meus; fazem parte da música que acabei de compor. Trata-se de uma nova experiência afinada com as principais tendências da cultura popular brasileira. Dediquei à tarefa muito esforço e atenção – horas e horas escutando os sucessos do momento – e já estou quase lá. Pouco a pouco, vou descobrindo os intrincados segredos das duplas e trios do momento para alcançarem os corações da moçada e os cumes da fama e da fortuna. Só me falta arrumar um bom empresário, vender milhões de cópias, bombar nas rádios e esgotar bilheterias de shows pelos quatro cantos do nosso querido Brasil.

Nestes tempos de desemprego e vida dura, criar letras de música pode ser uma excelente alternativa. E não só para quem escreve, como eu – mas para você também, caro engenheiro, médico, dentista, economista, pesquisador, cientista ou professor. É fácil e rápido! Com meia dúzia de canções desse estilo abrem-se as porteiras das feiras agropecuárias, baladas, shows de Norte a Sul e até – glória suprema! – as de uma apresentação na Festa de Barretos logo antes da Paula Fernandes! Uau! Quem sabe?

Como toda atividade, a profissão de cantor/compositor atual tem alguns truques, pequenos mistérios. O que já descobri, divido com vocês, sem egoísmo. É minha colaboração para que os leitores deixem de lado suas vidas monótonas e miseráveis, tornando-se felizes milionários. Lápis e papel na mão, garrafas de cerveja ao lado! Soltem suas rédeas, mulas e boiadas pelas trilhas empoeiradas da emoção primitiva, do amor não correspondido! Viva a dor-de-corno, a sedução irresistível do sutiã de onça dela e outros detalhes que espicaçam o desejo de um homem!

Comece comprando um chapéu de vaqueiro, um cinto de fivela imensa e botas de caubói. Assim preparado, fica mais fácil para a Inspiração descer da cerca e montar na garupa, açoitando sua criatividade. Ajuda muito, também, ser um pouco fanho, ter a voz anasalada. Na pesquisa percebi que cantores de sucesso têm essa curiosa característica: cantam de nariz entupido, talvez impregnados pelo cheiro do mato e da bosta de boi.

De posse de um dicionário e sentimentos que saltam em seu peito como um touro num rodeio, comece a montar os versos. Algumas palavras são fundamentais, jamais podem ser deixadas de lado: saudade, coração, paixão, traição, cama, lama, abandonou, traiu, partiu, feriu, esqueceu, magoou, casamento, aliança, lembrança, trança, vingança. Diminutivos não podem faltar: docinho, benzinho, peitinho e beijinho, por exemplo, que ainda favorecem a rima com o imprescindível “carinho”. Quando faltar alguma coisa para completar a estrofe ou o compasso, use “Ei! Ei! Ei!”, palmas, gritos. Não se esqueça de apimentar a obra com algum toque libidinoso, quase pornográfico, enaltecendo os atributos físicos do seu amor: “mergulho no seu decote”, “seu jeito de vaca louca” ou “menina, te agarro pela crina”. Refrões maliciosos e duplos sentidos levam a plateia ao êxtase.

Explore, sempre que possível, situações banais do cotidiano, dando a estas uma conotação especial. Um palito de dente usado pelo seu amor após o churrasco pode ser a base de um sucesso estrondoso com o título “Guardei o Seu Gostinho” ou “Aquele Fiapo de Picanha”. Rivais, traições e assédios enriquecem sobremaneira a narrativa poética. “Larga ela e pula aqui”, “Comigo é que rola”, “Vem pra minha camionete” inspiram bons versos iniciais, cheios de possibilidades. Enfim: na guerra, no amor e no estúdio de gravação, vale tudo.

Conselho final: o sucesso virá acompanhado da inveja. É inevitável, prepare-se. Pessoas desqualificadas dirão que sua música é uma porcaria, uma coleção de asneiras sob medida, produto de jabás, oportunismo descarado. Não se abata: agarre o microfone, feche os olhos, levante o braço e berre com vontade:

“Tô nem aí, moçada/ Pra esta gente sacana/ Meu negócio é cerveja, mulher, balada/ E muita grana!”