Filosofadas

Carol Rache é escritora, empresária, praticante e instrutora de yoga

Felicidade x euforia

Publicado em: Sex, 22/01/21 - 03h00

Assisti recentemente à nova animação da Disney, chamada “Soul”. O filme aborda conceitos espirituais e quânticos aplicados de forma didática e leve e propõe, nas entrelinhas, reflexões muito necessárias – talvez mais para os adultos do que para os miúdos.

Entre vários insights e pontos que me convocaram para a reflexão, houve um momento específico que prendeu minha atenção. Não vou dar spoiler, claro. Mas um diálogo entre o personagem principal e sua "ídola" me fez ponderar muito sobre a diferença entre felicidade e euforia. O personagem realiza um sonho e se depara com a frustração ao perceber que a euforia do momento passa. E, naturalmente, começar a se perguntar: “E depois?”

O que acontece depois que a gente conclui uma meta ou materializa um sonho? A agitação eufórica dá espaço à serenidade habitual, e nós a interpretamos como um vazio. Por comparação, como a intensidade da conquista é enorme, voltar à normalidade das emoções menos intensas traz uma sensação de estranhamento. E a nossa tendência é logo buscar pelo pico de euforia novamente. Como? Programando nossa nova meta.

Somos promovidos e ficamos extasiados, mas meses depois já nos sentimos frustrados ou estagnados. Liquidamos o sobrepeso e nos sentimos cheios de vitalidade e beleza, mas pouco depois as poucas celulites que restaram começam a parecer maiores que são e a nos incomodar. Construímos um relacionamento amoroso harmônico e leve, mas, vira e mexe, sentimos falta da emoção turbulenta das paixões avassaladores. Fazemos a viagem dos sonhos e, ao voltarmos para casa, já começamos a viver sonhando com a próxima.

Ficamos viciados em euforia e, sem perceber, deixamos a felicidade passar despercebida.

Outro dia, tive a gratificante notícia de que ultrapassei a marca de 1 milhão de plays no meu podcast, o Acenda Sua Luz, e me vi diante dessa dualidade que permeia a euforia e a felicidade. Fiquei extremamente preenchida por saber que o movimento de pessoas querendo crescer tem aumentado, mas não senti nenhum rompante. Comemorei com meu marido num jantar delicioso, porém corriqueiro. Não me senti eufórica e confesso que, por alguns instantes, cheguei a pensar que houvesse algo de errado comigo. “Por que é que não estou soltando fogos de artifício internamente?,”, me questionei. Cheguei a refletir se não estava, inclusive, sendo ingrata com o resultado que foi manifestado.

Depois de um mergulho interno para investigar minhas emoções, percebi que estava diante de um momento sereno de contentamento, nos quais a felicidade chega com sabor de preenchimento, e não de euforia. Constatei que não são necessários rompantes de emoções fortes e que a plenitude mais verdadeira é aquela que nos invade ao som de música clássica, e não com o barulho intenso dos fogos de artifício.

Precisamos mudar nossa ótica distorcida e parar de associar a felicidade com a euforia. A primeira é um estado leve, que preenche e acalma. A segunda pode até parecer mais sedutora, mas é uma armadilha, porque sempre passa e deixa um efeito colateral nocivo: a sensação de que algo ainda nos falta.

Não há problema algum em buscar o crescimento constante. Querer novas conquistas é saudável, inclusive. A distorção começa quando projetamos nossa felicidade no próximo momento que nos entregará as fortes emoções da euforia. Porque, dessa forma, sem perceber, negligenciamos o contentamento que já temos e seguimos viciados em alguns segundos de explosão emocional.

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