CAROL RACHE

Você sabe escutar “não”?

Imaginem quanta energia seria poupada se pudéssemos ser francos e diretos uns com os outros sem medo de ser mal interpretado?

Por Carol Rache
Publicado em 27 de novembro de 2020 | 03:00
 
 

Algumas pessoas vão dizer que a forma como o “não” é dito é que determina como será interpretado. De fato, um “não” carregado de raiva ou grosseria dificilmente será recebido com entusiasmo. Contudo, comunicação é uma troca que envolve não apenas quem fala, mas também quem escuta. E, muitas vezes, o problema não está na fala, mas sim na escuta. 
 
Precisamos falar sobre a escuta distorcida. Precisamos aposentar a cultura que rotula toda comunicação que não vem carregada de melindres como grosseria. Transparência e objetividade é bem diferente de agressão. Mas ainda há quem prefira escutar um “não” floreado por uma justificativa pouco transparente do que receber a verdade nua e crua. 
 
Culturalmente, observo que os gringos se comunicam de forma mais prática, direta e objetiva. Claro que é impossível generalizar visto que cada lugar tempera as trocas sociais com a própria cultura. Mas o Brasil não é, nem de longe, campeão quando o assunto é comunicação. 
 
Por aqui, tudo precisa ser floreado. Todo “não” precisa ser justificado e explicado. E toda conversa direta acaba sendo interpretada como grosseria, desafeto ou violência. 
 
Violência é quando existe, por trás da fala, a intenção de agredir. Isso pode acontecer de forma explícita ou de forma passivo-agressiva. Nos dois casos há uma motivação de insultar o ouvinte. 
 
O problema é que, para quem pratica a escuta distorcida, essa motivação não precisa existir. É como se carregassem uma tecla SAP dentro do próprio ouvido e, a cada vez que não recebem exatamente a resposta que desejam ou da forma que desejam, transformam transparência e objetividade em agressão. 
 
Será mesmo que a gente precisa florear e justificar todo “não” que dizemos? Será mesmo que toda vez que alguém não está disponível para nós precisamos ficar magoados? Será mesmo que aquilo que chamamos de grosseria foi, de fato, uma agressão, ou fomos nós, com nossa carência e necessidade de atenção, que distorcemos a verdade que nos foi dita? 
 
Muitas vezes recebemos um “não” puro e simples porque a outra pessoa está ocupada, está distraída, está envolvida em algum problema. E, do lado de cá, a nossa parte infantil, que se sente o centro do mundo, chora, como se a resposta representasse desafeto. 
 
As pessoas estão envolvidas nas suas próprias questões, e exigir que gastem energia pisando em ovos conosco acaba fazendo de nós um peso. Não precisamos atribuir conotações distorcidas às comunicações diretas. Na dúvida, melhor perguntar se há algo errado do que julgar o interlocutor como grosseiro – especialmente em tempos em que a comunicação escrita predomina e não temos o tom de voz como ferramenta para explicitar a intenção da outra pessoa. 
 
Não dá para, o tempo todo, dramatizar as falas transparentes e diretas como se fossemos crianças frágeis. 
 
Imaginem quanta energia seria poupada se pudéssemos ser francos e diretos uns com os outros sem medo de ser mal interpretado? Imagina quanta desculpas mentirosas seriam evitadas se tivéssemos liberdade de dizer “não” sem precisar tecer uma longa explicação? 
 
Percebo que o cenário da escuta distorcida é patrocinado pelas duas partes: de um lado, aqueles que não suportam receber uma comunicação objetiva; de outro, os que são naturalmente diretos, mas se condicionaram aos “floreamentos” porque têm medo de desagradar ao próximo. 
 
Fica aqui o meu convite para um movimento de auto-observação honesta a partir do qual a gente possa investigar como nós, de alguma forma, fomentamos essa cultura de transformar verdades simples em agressões que, em intenção, nunca existiram.