Flavia Denise

Flávia Denise escreve todas as segundas-feiras no caderno Magazine de O TEMPO

Livro para exibir x livro para ler

Publicado em: Seg, 19/06/17 - 03h00

O Brasil é cheio de características únicas. Essa declaração é especialmente verdadeira quando se lança o olhar para o mercado editorial do país.

Um leitor com o hábito de visitar livrarias sabe bem como são feitos os livros nacionais. Uma edição de luxo se resume a um design mais elegante na capa, possivelmente com páginas com a borda colorida para fazer do tomo um objeto esteticamente agradável. São raríssimas as edições com capa dura bem-acabada, com aquela costura caprichada que dá ao leitor a sensação de que o volume durará anos em suas mãos, não importa quantas vezes seja aberto. Pelo contrário, os livros nacionais, não importa se aspiram ao status de “luxo” ou não, são obras que acusam a leitura, deixando marcas perenes após a mais delicada olhadela feita pelo leitor.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, um país que tem um olhar único quando se trata da publicação de livros, a situação é bem diferente. Por lá, separa-se radicalmente as edições especiais das publicações mais simples. As versões nobres têm capa dura com costura caprichada, páginas amareladas e opacas para facilitar a leitura e outros detalhes, que vão do design à forma de expor a obra na livraria.

O objetivo é transformar o livro num fetiche. Você não o compra simplesmente porque quer ler o texto, mas porque há um valor imaterial naquele objeto, que é levado para casa e orgulhosamente exposto na estante. Com essa edição, o livro deixa de ser somente uma forma de acesso ao texto e passa a compor um mapa afetivo de interesses culturais que ocupa a casa – e o coração – do leitor.

Por outro lado, os EUA não poupam economias ao fazer as versões paperback, que só podem ser descritas como capengas. Com páginas finíssimas e capas tão molengas que amassam ainda dentro da livrarias, esse livro é feito para ser lido rapidamente e passado para frente, doado, descartado, não importa. Simplesmente não foi feito para ser exposto na estante de casa – até porque sua lombada é virtualmente destruída numa única leitura.

É essa segunda versão de publicação em papel que vem sendo substituída pelo e-book nos Estados Unidos. Afinal, já que o objetivo é ter acesso ao texto e depois descartá-lo, o melhor é adquiri-lo sem ferir o meio ambiente – e, ao contrário do paperback, o e-book até dura bem com o passar dos anos, apesar de não poder ser exibido.

O mercado editorial brasileiro, que tropeça em suas vendas físicas e virtuais, poderia aprender com o modelo norte-americano. Se o objetivo é fetichizar a obra, faça uma edição luxuosa, que dá vontade de comprar para exibir. Se o objetivo é que o leitor simplesmente tenha acesso ao texto, crie edições descartáveis e barateie o e-book (afinal, quem vai preferir um arquivo virtual a um livro de papel quando a diferença no preço é ínfima?). Quem sabe não é esse o caminho para dar fim a essa crise na leitura?

Publicada originalmente em 28.11.2016

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