Flavia Denise

Flávia Denise escreve todas as segundas-feiras no caderno Magazine de O TEMPO

Mutabilidade das ideias

Publicado em: Seg, 29/08/16 - 03h00

Não faltaram temas polêmicos ocupando os espaços públicos nas últimas semanas, e, como é de se esperar, não houve falta de opiniões despejadas nas redes sociais, nos pontos de ônibus, em mesas de bares, em jantares ou, até mesmo, ao pé de ouvidos. Entre os muitos comentários, foram proferidas barbaridades (“Se tiver consentimento, é pedofilia?”), feitas declarações de apoio (“Eu vivi para ver Simone de Beauvoir cair na prova do Enem”) e lançados questionamentos (“Não seria melhor discutir a violência como um todo em vez de só a violência contra a mulher?”).

Minha opinião sobre os temas citados é tão simples (é pedofilia, sim/também achei legal/generalizar não resolve nem o problema da segurança pública, nem a violência contra a mulher) que prefiro focar esse texto em algo ainda mais preocupante: o fato de que todos os envolvidos nas discussões acima clamam, ardentemente, pelo silêncio de seu opositor.

Digamos que você é uma dessas pessoas e que, de alguma forma, alcançou o seu objetivo. Toda postagem presente nas suas redes sociais vem de pessoas que pensam exatamente como você. Qualquer pessoa com quem você conversa na rua divide seus valores. Ninguém, em nenhum círculo social, lhe apresenta uma lógica que desafie seus conceitos. Não vou me dar o trabalho de descrever o quão chato isso seria, há algo mais relevante aí: se isso fosse possível, ninguém nunca iria mudar de ideia.

Antes que você comemore, vale lembrar que a humanidade já acreditou que a Terra era plana, que comer cérebro humano aumentava a inteligência e que tomate era uma fruta venenosa. A crença cega é recorrente na história, mas, graças à livre troca de ideias, as pessoas que vieram antes de nós foram percebendo que aquela conversa estava estranha e adequaram suas opiniões até chegarmos ao século XXI.

Deixando os benefícios do molho de tomate à parte, é importante estar disposto a escutar o que os outros têm a dizer e sempre crer na possibilidade de você estar errado. A verdade, porém, é que ninguém acredita estar do lado errado da discussão, obviamente. Então fica outra pergunta: se você excluir todo mundo que não concorda com você, como eles vão perceber que você está certo?
Uma criança de 12 anos não deve, em hipótese nenhuma, ser alvo de comentários sexuais.

Aqueles que postaram o fatídico comentário claramente não tinham entendido isso, mas tenho certeza de que agora já têm uma noção melhor da bobagem que fizeram. Graças às milhares de respostas, artigos e memes os criticando, ficou bem claro que a opinião deles não só está errada, como também os associa a um crime dos mais escabrosos. E, mesmo que mantenham sua opinião, agora sabem que seu comportamento não é normal. Só foi dado o primeiro passo para a mudança porque eles opinaram.

Estou para conhecer alguém que não está cansado de escutar gritos preconceituosos e maldosos, reais ou virtuais. Mas, se o objetivo é ajudar a sociedade brasileira a amadurecer e a construir um país melhor, não dá para excluir, cancelar a assinatura ou tapar os ouvidos. É preciso ouvir, entender e responder, mesmo que seja para condenar. Quem vive no silêncio não muda de ideia.

Texto publicado originalmente em 2 de novembro de 2015. A colunista está de férias.

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