Flavia Denise

Flávia Denise escreve todas as segundas-feiras no caderno Magazine de O TEMPO

Não basta ser sci-fi

Publicado em: Seg, 19/02/18 - 03h00

Você já deve ter percebido o aumento de produções de ficção científica. Diariamente são anunciados livros, séries e filmes que jogam a narrativa para uma época em que a tecnologia é mais avançada. São criadores seguindo uma tradição de imaginar o futuro, as regalias e os problemas do mesmo para criar histórias únicas que fomentem debates. O problema é que, na ansiedade de entregar essas narrativas, há quem esteja investindo tudo no aspecto tecnológico – deixando a trama como mero fio condutor de um desfile de dispositivos futuristas.

Tome-se a recém-lançada “Carbono Alterado” (Netflix) como exemplo. Determinada a manter o aspecto de “um futuro distante” que caracterizou a ficção científica dos últimos cem anos, a série apresenta um futuro tecnológico com clones, inteligência artificial, carros voadores e imortalidade. Só que, passados alguns episódios iniciais, tudo isso torna-se um enfeite para uma história de detetive noir que, com algumas alterações simples na trama, poderíamos chamar de “novelão”.

Em vez do clone, apresentaríamos o irmão gêmeo, a inteligência artificial poderia ser o subalterno maltratado pelos amigos e dedicado ao patrão, a imortalidade se resumiria a uma conta bancária bem recheada, e os veículos voadores seriam nada mais que a versão 2049 de um carrão de gente rica. Pior, não é sequer um novelão dos bons, com grandes atuações, bons momentos dramáticos e um núcleo cômico irresistível. É só um grande junta-junta de personagens cujas histórias mais ou menos encaixam-se no final.

Infelizmente, é essa a tendência desse excelente momento que a ficção científica vive atualmente. À medida que o gênero torna-se a aposta acertada para os estúdios que buscam agradar ao público, vemos lançamentos que não passam de tramas consagradas com alguns “enfeites” tecnológicos. O que é uma verdadeira perda de oportunidade.

Tem um motivo pelo qual a ficção científica tornou-se “aposta certa”. Quando ela é bem-feita, pode exacerbar problemas que ainda passam despercebidos, mas tendem a piorar, como a propensão de a vida online dominar a real (“Neuromancer”), o monitoramento online por governos e empresas (“1984”), a exigência de ser feliz (“Admirável Mundo Novo”) e o perigo da inteligência artificial (“Ex-Machina: Instinto Artificial”) para citar alguns.

Esse tipo de narrativa faz mais do que adaptar tramas consagradas. Elas usam o avanço tecnológico como ponto de conflito e deixam a solução por conta dos humanos, com todas as suas capacidades e incapacidades. E, fazendo isso, criam uma janela para uma visão do futuro com aspectos que podem virar a realidade em alguns anos.

Da aclamada “Black Mirror” (Netflix) a “Electric Dreams” (Amazon Prime), “Pantera Negra” (Disney) e “Star Trek: Discovery” (Netflix), há boas opções para quem busca o melhor do gênero. O desafio agora será diferenciar entre tramas recauchutadas e verdadeiras criações sobre o futuro que nos espera.

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