FLÁVIA DENISE

O futuro da televisão

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 30 de maio de 2016 | 03:00
 
 
Hélvio

Algumas coisas não mudam. Em dez anos, quando você quiser assistir à televisão, muito provavelmente vai ligar sua tela, se sentar num sofá e apreciar a delícia que é ver as imagens se exibirem diante de você. Por outro lado, a forma em que esse conteúdo chegará a sua casa já passa por grandes mudanças – e elas são tão essenciais que os próprios programas sofrem alterações.

O indício mais forte de como funcionará a televisão neste futuro próximo você já conhece. A Netflix já tem presença em grande parte do país e do mundo, oferecendo conteúdo pago a preços mais módicos do que as TVs a cabo e dando ao espectador a aguardada possibilidade de escolher o que ver e quando começar. A empresa começou oferecendo programas antigos, desses que todo mundo já cansou de ver reprisados na TV diurna, mas mudou o jogo com suas produções exclusivas. A primeira delas, “House of Cards”, chamou a atenção de todo o mundo já em sua estreia e deu início a uma leva de séries com uma pegada própria, sem hesitar em apresentar personagens controversos e evitando subestimar a inteligência de quem os vê.

O sucesso dessa empreitada mudou o cenário da produção de conteúdo nos Estados Unidos – país no qual é produzido grande parte do que assistimos na TV. Ao contrário das emissoras de TV, que precisam montar os chamados “focus group” (grupo de pessoas que dão sua opinião sobre determinado produto) para ter alguma noção de como aquele programa será recebido, a Netflix tem acesso a dados detalhadíssimos de como as pessoas consomem seu produto. Eles sabem que tipo de programa seus clientes buscam, sabem por quanto tempo assistem a uma produção antes de desistirem de ver até o fim, sabem exatamente qual episódio de uma série leva o espectador a começar o “binge-watching” (assistir tudo até o fim, sem parar) – e não dividem essa informação com ninguém. Para você ter uma ideia do que isso significa, a primeira produção da Netflix no Brasil, “3%”, teve sua seleção confirmada dentro da empresa porque é uma ficção científica – e eles sabem que o brasileiro ama ficção científica e fantasia com base nos dados de consumo do país.

O sucesso da empresa na produção de séries é estrondoso, mas ainda não conseguiram replicá-lo com os filmes. Na semana passada, porém, a Netflix anunciou um contrato exclusivo com a Disney (dona da Pixar, da Marvel e da Lucasfilm). Nos Estados Unidos, a empresa de streaming será a única a exibir as produções da empresa do Mickey depois que saírem do cinema. O acordo não envolve o Brasil, mas nos afeta profundamente. Quanto mais a Netflix cresce, maior fica a dependência do mercado de suas iniciativas. A força da empresa já tem dado muita dor de cabeça para as antigas emissoras. Ao investir em uma série, a Netflix não compra o episódio piloto para decidir, a partir dele, se acha que o programa vale a pena, como fazem as emissoras: ela compra a temporada inteira, mudando a forma com que o mercado funciona e destruindo o modelo de negócios das concorrentes.

E, de olho no sucesso da Netflix, outros serviços similares já surgiram (Amazon e Hulu, nos EUA, e Looke, no Brasil são alguns exemplos). Esses ainda não têm a mesma forma, mas alguns já investem em produções exclusivas, e prometem conquistar ao menos parte do mercado, impedindo um monopólio que deixaria o espectador na mão de uma única empresa. Afinal, por mais que a gente comemore a liberdade oferecida pelo streaming de ver o que queremos quando queremos, é preciso ficar atento também ao fim da liberdade de escolha. Uma empresa que reúne todos os melhores filmes e séries e sabe exatamente que tipo de produto seu consumidor quer pode cobrar o que bem entender por seu serviço. E não se surpreendam se a mensalidade módica da Netflix (R$ 19,90) subir estratosfericamente, ultrapassando o preço cobrado pelas TVs a cabo de hoje, a medida em que ela se torna o único meio de transmissão de filmes, séries e programas. E, entusiasmados com a qualidade do produto, nós damos todos os sinais de que vamos comemorar cada passo dado, até nos depararmos com a total falta de escolha.