Flavia Denise

Flávia Denise escreve todas as segundas-feiras no caderno Magazine de O TEMPO

Oscar: 'Estrelas Além do Tempo'

Publicado em: Seg, 06/02/17 - 02h00

Após dois anos de campanhas do #OscarSoWhite, que critica a falta e diversidade entre os indicados ao prêmio máximo do cinema norte-americano, era mais do que esperado que Hollywood começasse, finalmente, a investir em produções que fugissem de uma temática eternamente pálida – e, consequentemente, que a Academia agraciasse algumas dessas produções com indicações (e quem sabe vitórias). Curiosa com o resultado desse movimento, fui assistir “Estrelas Além do Tempo”, um dos indicados na categoria melhor filme cujas protagonistas são negras.

A primeira coisa essencial de se dizer é que o filme conta uma história importante e necessária. A obra foca em três mulheres negras que trabalharam para a Nasa durante a corrida espacial, detalhando suas conquistas e as dificuldades pelas quais elas passaram. Elas são Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), todas mulheres reais, que se destacaram por sua capacidade intelectual. Porém, por mais que as conquistas sejam muitas e impressionantes, não chegam aos pés das dificuldades. Como mulheres, sofriam preconceito num mundo machista. Como negras, sofriam preconceito num mundo racista. Foi somente sua genialidade como profissionais que ofereceu alguma redenção diante de um mundo tão injusto.

O filme dirigido por Theodore Melfi narra a saga do trio de forma dinâmica e divertida, mostrando que essas mulheres têm vida pessoal e têm interesses amorosos. Seria um exemplo excelente de um resgate da história das mulheres negras, tão esquecidas na hora de se escrever os livros oficiais, se não fosse o insistente discurso de “não fique brava, bola para frente”.

Com raras exceções, o filme parece pregar que as conquistas dessas mulheres estão amparadas no fato de que são bem-educadas, submissas e silenciosas – como ocorre logo na irreal cena de abertura, na qual lidam com um policial racista com muita educação e o convencem de que são boas pessoas. Outro bom exemplo está na cena na qual a matemática Mary Jackson comenta com as amigas como é injusto ela ser impedida de se tornar uma engenheira da Nasa (é preciso fazer um curso numa universidade local, que não aceita matrícula de pessoas negras). Cansada de ouvir a amiga, Dorothy Vaughn decreta: “faça alguma coisa a respeito, mas não quero mais ouvir sobre isso”. A personagem perde o direito de reclamar das absurdas condições de sua vida até mesmo entre as amigas.

Fico muito feliz em ver as vidas de mulheres negras sendo contadas numa grande produção. Mas ficaria ainda mais satisfeita se o filme permitisse que o trio mostrasse a frustração e o cansaço que as personagens reais certamente sentiram ao viver sua história.

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