Flavio Saliba

Sociólogo e professor da UFMG, Flávio Saliba escreve quinzenalmente nas sextas-feiras em O TEMPO

A globalização e a política externa brasileira

Publicado em: Sex, 30/11/18 - 02h00

Apesar dos monumentais problemas econômicos a serem enfrentados pelo futuro governo, creio haver razões para algum otimismo. Entre elas destacam-se os nomes até agora anunciados para comandar alguns ministérios.

Cumprindo promessas de campanha, o futuro presidente procura cercar-se de técnicos qualificados em todas as áreas, esquivando-se de indicações políticas que venham de fora do seu círculo de apoiadores de primeira hora. Mesmo mantendo-se fiel a suas convicções, Bolsonaro parece disposto a dialogar e a fazer os necessários ajustes nas medidas anunciadas em campanha.

As indicações de caráter mais claramente ideológico para o primeiro escalão são as dos ministros da Educação e das Relações Exteriores. Quanto a esta última, temo que ele tenha exagerado na dose e explico-me. Há tempos, venho insistindo que a política externa brasileira assumiu caráter francamente terceiro-mundista, afastando o país dos mercados e das práticas democráticas ocidentais. Não à toa, em seu “Choque de Civilizações”, de 1996, Samuel Huntington se indaga se países como o Brasil fariam parte integral da civilização ocidental.

Paradoxalmente, o processo de globalização, associado a políticas internas e externas erráticas, contribuiu para a crescente marginalização econômica, política e tecnológica do Brasil. Basta consultar a literatura especializada para constatar que a esquerda brasileira sempre se mostrou contrária à globalização. Paradoxalmente também, a crítica à globalização é, hoje, uma das bandeiras de correntes mais extremadas da direita, seja devido à pregação isolacionista de Donald Trump, seja devido à visão conspiratória de que os males do mundo globalizado decorrem de orquestrada façanha do comunismo internacional.

Ora, é um equívoco ser contra ou a favor da globalização, posto que esse fenômeno não é produto de ideologias. Trata-se de um processo estrutural (e sabemos que estruturas não se transformam facilmente) associado à fase avançada do capitalismo, cuja lógica, impulsionada pela celeridade dos avanços tecnológicos, é a da contínua ampliação dos lucros e dos mercados.

Cabe à nação brasileira se esforçar para tirar o máximo proveito das oportunidades que a economia globalizada oferece, precavendo-se de seus efeitos perversos, tais como o desemprego em massa da mão de obra não qualificada, a violência individual e coletiva e o crescente poder do crime organizado. Estes tendem a proliferar nas sociedades que não lograram integrar-se vantajosamente na nova divisão internacional do trabalho, mantendo-se como meras fornecedoras de matérias-primas. O delineamento de uma política externa consequente, além do desejável alinhamento com as democracias ocidentais, notadamente com os Estados Unidos, depende de uma infinidade de variáveis econômicas e geopolíticas que desaconselham o mimetismo retórico do atual governante da maior potência econômica e militar do planeta.

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